Em São Paulo
Pelo menos duas unidades do CEL (Centro de Ensino de Línguas) -- uma no litoral e outra na capital paulista -- estão vendendo material didático que deveria ser distribuído gratuitamente. Criados pela Secretaria Estadual de Educação de São Paulo para atender alunos de baixa renda, os cursos ficam instalados dentro de escolas de ensino médio da rede.
Os centros aceitam apenas estudantes já matriculados na rede estadual, que podem estudar no contraturno idiomas como espanhol, inglês, francês e alemão.
Como mostra um vídeo obtido pelo UOL, a Escola Estadual Buenos Aires, em Santana, zona norte da capital paulista, chegou a montar um sistema em que tenta disfarçar a prática, apontada como criminosa e ilegal por advogados ouvidos – e tida como irregular pela própria pasta da Educação.
Especialistas e juristas ouvidos avaliaram que vários crimes foram praticados pelos envolvidos, como peculato (apropriação de bem público) e até estelionato (pois os alunos foram enganados). Além disso, houve uma falha administrativa, que infringiu o estatuto do servidor estadual.
“Acima de tudo, teoricamente, é uma violação ao princípio da legalidade, e uma afronta aos princípios da finalidade e moralidade públicas. Se toda a prática for caracterizada, é uma ilicitude”, afirmou Manuel Fonseca Pires, professor da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), e mestre e doutor em Direito Administrativo.
Segundo as imagens e de acordo com relatos de ex-funcionários do colégio, ao fazer a inscrição os alunos ficam sabendo que as aulas são gratuitas. No entanto, ao começar o curso, há uma atualização na informação: é preciso comprar uma apostila para fazer os exercícios.
Os estudantes recebem, então, uma espécie de boleto em que consta o endereço de uma papelaria ao lado da escola. Nesse cartão, obtido pelo
UOL, há o carimbo oficial da Buenos Aires.
No local indicado, na rua Duarte de Azevedo, a menos de cinco quarteirões do colégio, basta o aluno entregar o boleto e, após pagar R$ 18, receber o material didático. A apostila, pelas informações apuradas pela reportagem, é feita com papel pago pelo Estado.
O vendedor que aparece no vídeo, sem saber que estava sendo filmado, confirma o esquema. “A gente está repassando (as apostilas), por que a escola não pode comercializar. É proibido. Então esse é um ponto de venda para poder fazer isso. São eles que determinam o preço.”
Todo o sistema seria de conhecimento da diretora Plantina Fernandes Melo, que não quis conversar com a reportagem. Como a unidade recebe atualmente mais de 1.000 alunos no CEL, o lucro ficaria em torno de R$ 18.000 semestrais.
Procurados na própria escola, os responsáveis pelo CEL negaram a prática e disseram que não dariam maiores esclarecimentos ao repórter. Na papelaria, o vendedor que aparece no vídeo não foi encontrado. A atendente que estava no local, no entanto, confirmou que a venda era feita, mas alegou que "não trabalha mais com isso."
São Vicente
No litoral paulista, no CEL da Escola Estadual Martim Afonso, no centro da cidade, a prática também acontece.
Na página de internet do curso, retirada do ar após os questionamentos do UOL, os gestores anunciam, sem rodeios, que para adquirir as apostilas os alunos precisam procurar alguns pontos de venda – todos fora dos muros escolares.