O primeiro transplante de pulmão no Brasil com órgão que passou por um processo de regeneração deve ser feito a qualquer momento pelo Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Para isso, basta que apareça um órgão doado por paciente com morte cerebral.
Para o procedimento, já foram vencidos todos os trâmites necessários à adoção da técnica desenvolvida na Suécia, bem como já foi dada a autorização pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).
Com esse avanço da medicina brasileira, surge um novo alento a 140 pacientes de todo o país que precisam receber um pulmão novo para continuar vivos. Metade desse universo está na fila de espera do InCor. “A nossa expectativa é que possamos aumentar o número de transplantes de pulmões e, consequentemente, beneficiar o maior número de pacientes que estão aguardando na fila de espera. Infelizmente, nós perdemos uma parte expressiva desses doentes por não conseguir o órgão”, revelou o diretor do Programa de Transplante de Pulmão do InCor, Fábio Jatene.
Ele prevê que, com a nova técnica, a média atual de intervenções, entre duas a três por mês, poderá dobrar no médio prazo. Por ano, são feitos em torno de 20 transplantes, podendo chegar, numa primeira etapa depois da nova técnica, a 40 casos. Jatene explicou que, ao serem incluídos na lista dos pacientes passíveis de serem os receptores, esses pacientes têm chance de viver por mais dois ou três anos. Com a cirurgia, há uma sobrevida média entre 70% a 75% dos casos em sete anos, além de uma sensível melhora da qualidade de vida.
De todos os transplantes, o de pulmão é o mais complexo e a grande dificuldade está na captação dos órgãos. Apenas entre 5% a 10% das doações são de fato aproveitadas porque o pulmão se deteriora muito rapidamente e está mais sujeito a contaminações pelo contato com o exterior. Do total de cerca de 90% rejeitados, estima-se que 30% possam passar pelo processo de regeneração.
Jatene acredita que, em pouco tempo, essa técnica possa ser levada para os demais centros médicos que hoje fazem os transplantes de pulmão no país. São ao todo três: o de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, responsável pela primeira cirurgia de transplante de pulmão da América Latina, em 1989; o de Minas Gerais e o de Fortaleza, no Ceará.
O cirurgião observou que os profissionais do InCor foram estudar a nova técnica na Suécia, há cerca de oito anos, na mesma época em que um grupo canadense de médicos foi aprender como era feita a recuperação do pulmão para implante no receptor. No Canadá, a técnica já é adotada e a experiência bem sucedida soma 30 cirurgias com órgão recuperado.
A técnica consiste na utilização de uma solução líquida introduzida, lentamente, por meio de cânulas na artéria e na veia pulmonar como forma de reduzir ou eliminar o edema, o inchaço, que impede a troca gasosa do organismo e é um dos principais obstáculos ao aproveitamento do pulmão retirado de um paciente com morte encefálica. O medicamento faz, assim, uma espécie de higienização do órgão.
“Do lado dos vasos pulmonares, existem alvéolos que são inundados e, à medida se consegue uma solução que atraia o líquido de volta, você seca o alvéolo. Se a solução for interosmolar, ela consegue atrair e reabsorver o líquido e, com isso, reduzir o edema”, esclareceu Jatene, lembrando que esse edema não é só no alvéolo, mas no espaço em volta na área denominada de interstício.
“Se os pulmões tem boas condições, eles são utilizados para o transplante na hora da atuação. Mas existem casos em que esses pulmões não estão em boas condições. Na maior parte das vezes, por excesso de líquido, que nós chamamos de edemar pulmonar, ou por infecção. Nos casos de excesso de líquido, já se sabe que podem ser recondicionados, retirando o líquido”, esclareceu Jatene. Segundo ele, esse processo leva em média de duas a três horas.
Para a presidente da Comissão de Doença Pulmonar Avançada da Sociedade Brasileira de Pneumonologia e Fisiologia, Valéria Maria Augusto, a possibilidade de se efetuar essa restauração deverá ajudar a resolver “um problema muito grave que é a de tornar o pulmão viável para a doação”, um dos maiores entraves para um número maior de transplantes do órgão.
Ela explicou que 99,9% dos transplantes ocorrem a partir de uma doação obtida de uma pessoa com quadro de morte encefálica. “Quando chega o diagnóstico de morte encefálica, o órgão já está bastante afetado. E nosso critério de profilaxia para transplante é assim: se ele tem mais de 48 horas de tubo [paciente que foi entubado para a ventilação artificial]”. A entubação, segundo a médica, é um indício da probabilidade de infecção e, se isso se confirmar, a utilização do pulmão em questão já é descartada.
Segundo Valéria, mais da metade dos transplantes de pulmão são em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica. O InCor informou que, dentre as enfermidades tratadas com essa intervenção, estão os casos de enfisema e fibrose pulmonar, além de hipertensão pulmonar e fibrose cística.
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