Aline Valcarenghi*
Repórter da Agência Brasil
Pedra Azul (MG) – Mais de 20 horas depois de sair, em quatro ônibus, de São Paulo, um grupo de 180 pessoas, entre profissionais e estudantes, chegou à cidade mineira cheio de entusiasmo para concluir o planejamento para dez dias de atuação na cidade. Às 3h da madrugada, eles viram que teriam apenas cinco horas de sono, pois às 8h, deveriam estar prontos para atender a população do município.
Este é o ritmo da Bandeira Científica, projeto da Universidade de São Paulo (USP), que leva há 16 anos não só serviços de saúde a municípios pequenos, mas também planejamento específico para os gargalos existentes na região. O objetivo da Bandeira Científica é reforçar a formação dos estudantes e ajudar no desenvolvimento da saúde do município.
“Na faculdade, eu nunca tinha lidado com pacientes desnutridos, mas, nessas expedições, tenho possibilidade de aprender mais sobre um problema tão grave no Brasil e de ajudar a quem não consegue atendimento no dia a dia”, diz a estudante de nutrição Vanessa Sayuri.
Para Thiago Donda, que está se formando em odontologia, o projeto é uma oportunidade de usar tudo o que aprendeu na faculdade para ajudar aos mais carentes. “Quando vi a boquinha da primeira paciente da zona rural, me deu vontade de chorar. Precisei fazer quatro extrações”, lembra, emocionado.
Segundo o coordenador do projeto, Luiz Fernando Ferraz, trabalhar ao máximo com as ferramentas disponíveis é a grande lição da Bandeira Científica para ser dada tanto aos profissionais da cidade quanto aos estudantes.
“No Hospital das Clínicas [onde atuam os estudantes de medicina da USP], se eles quiserem avaliar uma dor de cabeça, mandam para a tomografia. Aqui não há nada disso e é preciso ver se vale a pena o paciente esperar meses até conseguir o Tratamento Fora do Domicílio [programa que leva o paciente a outra cidade onde possa fazer o exame de que precisa]. Nem sempre isso é necessário e, muitas vezes, dá para resolver o problema sem o exame”, destaca Ferraz.
No período que passou em Pedra Azul, a equipe fez cerca de 600 atendimentos em todas as áreas de saúde, além de entregar 50 próteses dentárias e mais de 500 óculos aos moradores do município. A Bandeira Científica também visitou em casa doentes acamados, que não tinham como ir aos postos de atendimento. A dona de casa Sanita Dias, por exemplo, recebeu da equipe orientação para ajudar o filho de 24 anos, que tem paralisia cerebral. Os profissionais a ensinaram a fazer exercícios com o filho e também como levantá-lo sem forçar a coluna.
Além de profissionais da saúde, o projeto inclui grupos de engenharia, para fazer planejamento na área de saneamento básico, de administração e de economia, para cursos de empreendedorismo.
Eles ainda montam uma oficina para projetos e reforma de instrumentos usados para facilitar a vida de quem tem limitações físicas. “É desafiador pegar o que aprendemos na faculdade e colocar na prática”, afirma o estudante de engenharia mecânica Antônio Souza. “Desenvolvemos uma estrutura para que um paciente da fisioterapia que não tem as pernas possa se apoiar na hora do banho com menos dificuldades”, informa João Thuler, também estudante de engenharia mecânica.
Este ano 130 estudantes e 50 profissionais ficaram entre os dias 11 e 21 deste mês em Pedra Azul, município mineiro com pouco mais de 24 mil habitantes, dos quais cerca de 3.500 recebem o Bolsa Família. Um dos critérios para escolha da cidade visitada pela Bandeira Científica é o compromisso dos gestores locais em dar continuidade ao trabalho e executar os projetos deixados pelos bandeirantes.
Os custos do projeto podem chegar a R$ 400 mil por ano, com cerca de 80% dos recursos vindo de patrocínio de empresas da rede privada, que doam remédios, óculos, camisetas, dinheiro. O grupo farmacêutico Sanofi, por exemplo, além de recursos financeiros, envia anualmente dez empregados, que fazer o trabalho de apoio à expedição.
Durante a estadia dos bandeirantes nos pequenos municípios, eles fazem também pesquisas temáticas, tanto para montar um planejamento local como também para fins acadêmicos. Em Pedra Azul, foram coletaram informações sobre o pré-natal das gestantes, sobre o HPV e a vacina contra a doença. “Se observarmos que há um problema grave no atendimento às gestantes, trabalhamos em cima disso e orientamos a prefeitura a dar continuidade ao trabalho”, explica Ferraz.
Em 2006, por exemplo, a Bandeira Científica percebeu que, em Machadinho d'Oeste, Rondônia, havia uma grande demanda psiquiátrica, mas como, na época, o município não tinha o número mínimo de habitantes para conseguir a construção de um Centro de Atenção Psicossocial (Caps) pelo Ministério da Saúde, a expedição fez um estudo sobre a situação local. “Foi a primeira vez que vi os nossos psiquiatras não darem conta. Houve uma quantidade absurda de atendimentos, o dobro da demanda normal”, relembra Ferraz.
Percebendo tamanha demanda, a expedição fez mais uma pesquisa e entregou um relatório com o selo da USP para que a prefeitura pudesse solicitar novamente ao Ministério da Saúde a construção de um Caps. E, dessa vez, conseguiu.
*A repórter viajou a convite do grupo farmacêutico Sanofi.
Todo o conteúdo deste site está publicado sob a Licença Creative Commons Atribuição 3.0 Brasil. É necessário apenas dar crédito à Agência Brasil
Aline Valcarenghi*
Repórter da Agência Brasil
Pedra Azul (MG) – Situado no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, o município tem oito Equipes do Saúde na Família, que faz o atendimento de quase 100% da população, de cerca de 24 mil habitantes, incluindo a zona rural, onde há um posto com equipe completa. Até o começo de dezembro, havia apenas uma equipe sem médico, mas que recebeu recentemente um profissional cubano do Programa Mais Médicos. Apesar disso, a população reclama da falta de especialistas.
“Nosso problema não é médico generalista. Isso a gente tem que dá para atender a todo mundo. A dificuldade é ter especialistas, e os salários são bons. Ginecologia, pediatria, geriatria, pagamos uma faixa de R$ 8 mil para trabalhar por 15 dias. Mesmo assim, não conseguimos atrair”, diz o secretário de Saúde de Pedra Azul, Maurílio Moraes.
A secretária de Saúde adjunta, Bruna Xavier, ressalta que a cidade tem um cirurgião, mas não tem anestesista. "Se tivéssemos um anestesista, poderíamos fazer todas as cirurgias na cidade. Sem eles, só fazemos as [cirurgias] básicas, e nos viramos para anestesiar o paciente. Um anestesista quer R$ 40 mil para atender aqui, não temos condições de pagar."
Segundo o secretário, quando não há especialistas, os pacientes são encaminhados pela Secretaria de Saúde para Teófilo Otoni, que fica a cerca de 200 quilômetros ou para Montes Claros, a 360 quilômetros. Quando nenhuma delas não pode receber o paciente, ele vai para a capital, Belo Horizonte, a 700 quilômetros de Pedra Azul.
O lavrador Valdomiro Santos, de 58 anos, conta que, sempre que precisa, é atendido, mas lamenta a falta de um ortopedista na cidade. “Estourei minha coluna, não sei o que faço. Só Deus, já que, para ser atendido por um ortopedista, aqui demora demais. Tem que ir para outra cidade. Aí, mesmo a prefeitura mandando, é difícil e demorado.”
A cidade recebeu este mês a Bandeira Científica, projeto que leva atendimento à população de cidades pequenas e que faz um levantamento dos principais gargalos para orientar a gestão local a resolvê-los. O projeto pretende deixar no município a lição de que um médico generalista pode fazer muito mais do que de fato faz.
Na avaliação de Ricardo Medeiros, o enfermeiro em um posto no centro da cidade, que já trabalhou em municípios do mesmo porte, Pedra Azul tem uma boa estrutura na área de saúde, mas precisa agir na qualificação dos agentes, para melhorar o atendimento e poderia prevenir casos mais graves, que precisem de especialistas.
“Eles [agentes de saúde] não estão preparados para fazer uma busca ativa, se os membros das famílias estão precisando de atendimento. Há problemas que são fáceis de diagnosticar e, nesses casos, prevenir sai muito mais barato”, afirma Medeiros.
Um desses problemas é o envolvimento de jovens com drogas e álcool. “Identificando os casos, poderia haver um trabalho dirigido”, diz Medeiros. Duas professoras da rede municipal de ensino, que não quiseram se identificar, informam que este é um dos motivos da evasão escolar, violência nas ruas e gravidez na adolescência no município. “Nunca fizemos pesquisa, mas, no convívio com os alunos, vemos quem é que leva droga para vender na escola, quem já está envolvido com crack”, revela uma das professoras.
De acordo com o coordenador da Bandeira Científica, Luiz Fernando Ferraz, os bandeirantes, como são chamados os membros da expedição, principalmente os da área de psicologia, desenvolvem atividades com os jovens para descobrir seus interesses e descobrir formas de evitar o envolvimento deles com drogas.
Pedra Azul também consegue fornecer atendimento odontológico para a população, mas conseguir uma prótese dentária é mais difícil. Depois de três anos tentando conseguir uma prótese pela rede pública de saúde, enfim a dona de casa Ildeci Ferreira, de 51 anos, conseguiu dar uma risada cheia de dentes. “Sem dente, fica difícil comer e falar, e eu fico mais feia”, diz Ildeci, que conseguiu seu “presente de natal” com a Bandeira Científica.
Os bandeirantes também orientaram as crianças sobre a escovação correta dos dentes, em visitas a escolas de ensino fundamental. As que precisavam de atendimento odontológico tiveram a assistência necessária. A equipe destacou a diferença entre os pacientes da área rural e os da zona urbana.
Segundo a dentista Natália Moura, na cidade, a situação é “tranquila”, há pacientes sem cáries e outros que têm uma ou duas, mas nada fora do comum”. Na zona rural, porém, houve casos preocupantes, com crianças precisando de fazer extrações e com muitos dentes comprometidos.
*A repórter viajou a convite do grupo farmacêutico Sanofi.
Aline Valcarenghi e Thais Araujo
Repórteres da Agência Brasil
Brasília – Percorrendo várias regiões do Brasil, é fácil perceber que uma das principais reclamações da população na área de saúde é a falta de especialistas. Na cidade mineira de Pedra Azul, por exemplo, a demanda é tanto da população quanto dos gestores locais.
A falta de especialistas é motivo de queixas também em Manaus. Na Unidade Básica de Saúde (UBS) Alfredo Campos, no bairro Zumbi, a vendedora Alciléia Nunes de Souza, de 30 anos, conta que esperou por mais de quatro horas para que suas filhas consultassem. Elas estavam com sintomas de problemas respiratórios, mas, depois de quatro horas, saiu sem atendimento. [Link: http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-08-20/falta-de-medico-e-demora-de-atendimento-sao-comuns-em-posto-de-manaus] Para Alciléia, como a situação é recorrente, o número de pediatras não é suficiente para atender à demanda.
Segundo a vendedora, disseram que o posto estava sem pediatra e que o atendimento só seria possível no dia seguinte. “Vai ser mais um dia sem aula, em que a gente vem e espera sem saber quando o médico vai atender", lembra Alciléia, dizendo que “vida de pobre é assim”.
Apesar das queixas, Luiz Fernando Ferraz, professor de medicina da Universidade de São Paulo (USP), acredita que muitas das demandas encaminhadas aos especialistas, poderiam ser facilmente resolvidas por médicos generalistas, que, se bem formados, podem resolver entre 70% e 80% das demandas da rede pública de saúde, deixando para as especialidades apenas para situações críticas.
“É da cultura do brasileiro ir ao neurologista quando está com dor de cabeça, ao gastro quando está com dor de barriga. Se a pessoa realmente precisa de um especialista, de um modo geral, é porque não cuidou do problema quando tratar dele com um clínico”, diz Ferraz, que há 16 anos participa da Bandeira Científica da USP, que anualmente leva atendimento a pequenas cidades e faz projetos para a resolução dos gargalos locais.
É com esta ideia central que o Programa Mais Médicos quer levar emergencialmente médicos generalistas para os municípios sem médicos. No entanto, Ferraz ressalta que o programa deveria fazer um controle da qualidade dos profissionais que contrata. “O número é importante, mas é preciso ter muito cuidado com a qualidade dos profissionais selecionados. Eles correm o risco de se tornar meros encaminhadores de pacientes”, teme o professor.
Ferraz defende investimentos na boa formação do generalista, em clínica geral ou em medicina da família. “As pessoas pensam que o generalista sabe de tudo um pouco e não faz nada bem. Se este for o nosso generalista, estamos perdidos. É muito mais fácil ser um baita oftalmologista do que um baita generalista. É difícil, ele tem que ter boa formação, e é nisso que temos de investir, já que não temos dinheiro para tudo.” Ferraz deixa claro, porém, o país precisa de especialistas, mas precisa ainda mais de generalistas.
Ferraz relata a experiência de um estudante de medicina, em Pedra Azul, onde coordenou o 16º ano da Bandeira Cientifica. Segundo ele, em atendimento supervisionado por um profissional, o estudante fez uma ultrassonografia em uma paciente e, em seguida, perguntou: “está sentindo mais alguma coisa?” Então, a paciente mostrou a perna, com uma dor que a incomodava há dias, mas à qual não deu a devida importância.
“A paciente estava com uma trombose venosa profunda, não sobreviveria nem uma semana, se não fosse tratada”, lembra Ferraz. O caso foi levado ao hospital da cidade onde o médico da expedição mostrou ao plantonista local que, apesar da gravidade, a paciente não precisaria ser encaminhada para um especialista. “Ele queria encaminhar a pacienta para um hematologista, mas morreria se precisasse esperar. O recado que nós queremos deixar é que eles podem fazer muito mais com o que já têm”, conclui Ferraz.
http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-12-23/bandeira-cientifica-da-usp-leva-estudantes-para-prestar-atendimento-em-municipios-carentesComentários, artigos e outras opiniões de colaboradores e articulistas não refletem necessariamente o pensamento do site, sendo de única e total responsabilidade de seus autores.