Antonio Carlos Mendes, o Toni Mendes, cinegrafista da EPTV Campinas, já passou por momentos de tensão durante o exercício da profissão. Durante uma manifestação recente de ativistas desse grupo chamado Black Blocs, foi alvejado com pedras.
Aos 49 anos e com 27 de profissão, Toni Mendes passou por diversas situações de risco empunhando uma câmera. Quando trabalhava na Globo SP, foi cobrir uma manifestação de perueiros onde as palavras de ordem eram contra a Rede Globo. Na época os conflitos eram constantes entre polícia e motoristas perueiros. “A profissão deles ainda não era regulamentada e brigavam por um lugar no mercado, a Globo mostrava toda a verdade e isso causava uma chateação por parte deles, pois como não era regulamentado, era clandestino”, explica. “Em uma manifestação vieram para cima com empurrões e xingamentos,eu me machuquei em uma planta com espinhos e um deles olhando para o repórter que era o Silvestre Serrano, que hoje está na Record, disse ‘seu cinegrafista já está sangrando, só falta você’. Isso para eles era motivo de alegria”.
Mendes lembra também que, já na EPTV Campinas, em uma greve de servidores municipais, a reportagem chegou atrasada a um conflito em que guardas municipais e policiais militares estavam em confronto com os servidores grevistas, a repórter Cássia Miguel foi hostilizada e chamada de mentirosa enquanto gravava. “Saí em defesa dela quando tentaram tomar o microfone das suas mãos, eles vieram para cima de mim e por várias vezes tentaram tirar a câmera do meu ombro, o tumulto só foi cessado quando outros jornalistas ameaçaram ir embora e parar de mostrar os confontos”, explica. “Trabalhamos o dia todo neste mesmo ambiente em que hora éramos xingados, hora éramos idolatrados, pois nem todos os servidores concordaram com a hostilização”.
Black Blocs
Em uma manifestação recente, ativistas desse grupo chamado Black Blocs ameçaram jogar pedras contra o cinegrafista e o repórter Eduado Sozo. “Uma passou de raspão, já uma outra acertou um produtor da nossa equipe que levou 12 pontos no rosto”, revela.
Sobre a morte do companheiro da Band, Santiago Andrade, Mendes disse que tomou conhecimento através da internet. “Fiquei muito triste, pois era pai de família, arrimo desta família, um ótimo profissional, competente e respeitado, que estava trabalhando, fazendo uma cobertura isenta e responsável”, frisa. “Não o conhecia pessoalmente, mas apenas pelo Facebook, pois somos ligados e usamos esta ferramenta para trocar informações técnicas e experiências de trabalho, a morte dele é um atentado contra o nosso direito à democracia, informação e só nos coloca ainda mais em um patamar de povos não civilizados”.
Carreira
Natural de Wenceslau Braz-PR, Toni Mendes reside em Mogi Guaçu, mas começou a carreira em Itapira. “Cheguei a morar em Itapira, a minha ligação com a cidade é de muito carinho e agradecimento, foi graças a duas pessoas queridas que me apoiaram e viram em mim o dom da fotografia e me deram a oportunidade de me tornar um câmera man. Estou falando de Marcos Megda e Carlos Augusto Cavenaghi, na época proprietários da Meca Vídeo”, lembra. “Eles apostaram em mim e me deram o primeiro curso de operação de câmera, quando comecei não sabia nada disso, mas depois gravei muitos casamentos e foi em 1989 que resolvi me mudar para Campinas e me dedicar ao jornalismo”.
Antes da EPTV, Toni Mendes trabalhou na União FM, de Mogi Guaçu, fez ponta no programa Bola Rolando, da Rádio Clube, e depois na Rede Manchete, Bandeirantes, Rede Globo Noroeste Paulista, em São José do Rio Preto, Rede Globo São Paulo e, por fim na EPTV, onde está há 15 anos.
Nesses anos todos confessa que aprendeu muita a lidar com situações difíceis. “Nessa profissão somos ameaçados a todo instante e temos que nos proteger e cuidar uns dos outros, também lidamos com situações que nos deixam tristes e derrotados como é o caso de acidentes que envolvem crianças e idosos ou chacinas”, revela. “Aprendi que temos que separar a emoção da razão e trazer as imagens sem correr riscos ou ao menos amenizá-los. Separar a emoção da razão não é fácil pois somos humanos, com familiares, com sentimento e muitas vezes paramos para ouvir uma vítima, chorar junto, ser paciente e acima de tudo ser profissional, trazer a matéria, pois matéria boa é a que vai ao ar, esse é um lema do jornalismo”.
Na cidade, profissionais também lamentam o fato
O falecimento, na segunda-feira, 10, do cinegrafista da TV Bandeirantes do Rio de Janeiro-RJ, Santiago Ilídio Andrade, em decorrência de ferimento que sofreu ao ser atingido durante um protesto contra aumento no preço da passagem de ônibus por um artefato explosivo, causou perplexidade e comoção em todo o país. Especialmente entre sua categoria profissional, o assunto gerou uma espécie de revolta e indignação.
Em Itapira, dois destes profissionais opinaram sobre o fato. Anderson Tadeu Adami, 27, exerce o ofício há oito anos, sempre na empresa Softvídeo. Apesar de concentrar a maior parte de seu esforço para a cobertura de eventos sociais, Adami adquiriu know how para gravar imagens para fins de divulgação de noticiário veiculado no Portal Cidade de Itapira. “Falar o que? Fiquei chocado como qualquer cidadão de bem. Inconcebível uma pessoa ser atingida daquela forma exercendo sua profissão”, opinou.
Rinaldo Brida, 48, atua como cinegrafista desde 1987. Também começou cobrindo eventos sociais, derivando depois para cobertura de noticiário. Brida disse que lamenta profundamente o ocorrido. Acha que o episódio deixa várias lições. Ele não acredita em ato premeditado contra Andrade. “Acho que ele foi atingido acidentalmente. Mas não é esta a discussão que deve prevalecer. Eu vejo tudo com muita preocupação, imaginando onde isso vai dar. De repente, por qualquer pretexto se impede o direito de ir e vir das pessoas, ateia-se fogo em ônibus, promove-se quebra-quebra do patrimônio público e privado . O grande risco desta situação é fazer com que as pessoas sintam saudades dos tempos de ditadura”, advertiu.
Carta de Vanessa Andrade
“Meu nome é Vanessa Andrade, tenho 29 anos e acabo de perder meu pai.
Quando decidi ser jornalista, aos 16, ele quase caiu duro. Disse que era profissão ingrata, salário baixo e muita ralação. Mas eu expliquei: vou usar seu sobrenome. Ele riu e disse: então pode!
Quando fiz minha primeira tatuagem, aos 15, achei que ele ia surtar. Mas ele olhou e disse: caramba, filha. Quero fazer também. E me deu de presente meu nome no antebraço.
Quando casei, ele ficou tão bêbado, que na hora de eu me despedir pra seguir em lua de mel, ele vomitava e me abraçava ao mesmo tempo.
Me ensinou muitos valores. A gente que vem de família humilde precisa provar duas vezes a que veio. Me deixou a vida toda em escola pública porque preferiu trabalhar mais para me pagar a faculdade. Ali o sonho dele se realizava. E o meu começava.
Esta noite eu passei no hospital me despedindo. Só eu e ele. Deitada em seu ombro, tivemos tempo de conversar sobre muitos assuntos, pedi perdão pelas minhas falhas e prometi seguir de cabeça erguida e cuidar da minha mãe e meus avós. Ele estava quentinho e sereno. Éramos só nós dois, pai e filha, na despedida mais linda que eu poderia ter. E ele também se despediu.
Sei que ele está bem. Claro que está. E eu sou a continuação da vida dele. Um dia meus futuros filhos saberão quem foi Santiago Andrade, o avô deles. Mas eu, somente eu, saberei o orgulho de ter o nome dele na minha identidade.
Obrigada, meu Deus. Porque tive a chance de amar e ser amada. Tive todas as alegrias e tristezas de pai e filha. Eu tive um pai. E ele teve uma filha.
Obrigada a todos. Ele também agradece.
Eu sou Vanessa Andrade, tenho 29 anos e os anjinhos do céu acabam de ganhar um pai.”
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