Na sessão da Câmara Municipal desta terça-feira, 35, o vereador Juliano Feliciano, mais conhecido como Água-Suco (apelido adotado por conta da atividade desenvolvida por ele como vendedor na área central da cidade e o mote usado até hoje Água-Suco/Suco-Água), durante o pequeno expediente, usou a tribuna para celebrar o Dia Nacional da Consciência Negra. Na oportunidade, Juliano lembrou a luta da sua raça contra a escravidão e o preconceito. Juliano levantou e criticou a ação de alguns ativistas que empunham bandeiras sem lastro e se apresentam como defensores da raça negra, mas tentam se aproveitar de datas como 20 de novembro para se aproximar dos grupos sociais em ação meramente oportunista.
Para Juliano o momento não deve focar o reconhecimento das desigualdades como arma política, mas no reconhecimento das competências da raça negra e para isso, conclamou os irmãos de sangue a se apresentarem mais para os desafios e abrir novas trincheiras de luta nas áreas do conhecimento e da participação. Água Suco destacou que não quer ser lembrado por ter sido o primeiro negro declarado a ocupar uma cadeira na câmara, quer ser lembrado por ter aberto a porta da casa não só para os afrodescendentes, mas às minorias historicamente discriminadas. Juliano critica, ainda, a intenção dos ativistas em querer homogeneizar o pensamento da raça negra, como se fosse proibido aos negros pensar de forma divergente.
A íntegra do discurso de Juliano:
Meus caros companheiros de legislatura, meus amigos da imprensa e público que nos acompanha nesta casa e, também, pelas ondas da Rádio Clube e pela Internet ocupo esta tribuna para falar sobre o Dia Nacional da Consciência Negra celebrado na última quinta-feira, dia 20 de novembro. Uma data que foi escolhida para homenagear Zumbi, o último líder do Quilombo dos Palmares, que morreu nesse dia depois de ter sido traído por um dos seus principais comandantes, que era negro, em troca da liberdade. O Quilombo dos Palmares localizado na Serra da Barriga, Alagoas, chegou abrigar cerca de 20 mil escravos fugitivos que não suportavam viver sobre os maus tratos e castigos dos feitores.
De vez em quando eu vejo algumas pessoas, vindos não sei de onde, proclamando o título de defensores da nossa raça e dos nossos direitos como se fossemos incapazes de lugar por tudo isso. Não senhores, nós não precisamos de nenhuma tutela ou de nenhuma proteção especial de quem quer que seja. Tudo o que conseguimos até agora é fruto da nossa luta. Sabemos como ninguém nos defender. A nossa história de luta tem mais de quatrocentos anos. E por isso, exigimos respeito.
Eu penso que a maioria dessas pessoas podem ter outros interesses quando se apresentam como defensores da raça negra. Penso que elas acreditam que os meus irmãos de sangue entram em qualquer conversa e se portam, sem resistência, como massa de manobra. Eu digo, então, que repudio, com veemência, a ação dessas pessoas caso elas estejam fazendo isso em nossa cidade.
É comum assistirmos pessoas que se apresentam em nome de determinados grupos ou de movimentos sociais com o propósito de se tornar conhecidas para mais tarde cobrar cargos ou votos por conta da ação defendida. Acho isso lamentável! Mas eu quero alertar a todos de que a minha raça acumulou experiências, a luta contínua colocou em nossas mãos, o nosso destino. Não precisamos dos sapos de fora. Não nos deixaremos levar por discursos oportunistas proferidos em determinadas épocas ou situações. Temos consciência do nosso papel.
Eu não preciso bradar, a todo o momento, que sou negro, pois eu trago a minha negritude estampada na pele e nos meus cabelos, ela está encravada na minha cultura e, principalmente, no sangue que corre pelo meu corpo carregando o sofrimento histórico vivido pelos meus antepassados e pela minha gente. Falo alto e em bom som, ninguém sem legitimidade poderá me dar lição de moral ou ofender a minha história ou a minha raça.
Eu não usei a condição de ser negro para me eleger. Não busquei o voto dos meus irmãos negros imaginando que eles deveriam votar em mim por conta da cor semelhante da nossa pele. Contei com os votos deles por aquilo que sou, assim como contei e recebi muitos votos de eleitores brancos pelos pensamentos que defendo. Eu não me candidatei para ser o vereador dos negros itapirenses. Fui candidato e me elegi como o mais votado para ser o vereador de todos os itapirenses. E esta, senhores, é a melhor homenagem que eu poderia fazer aos meus antepassados e a todos os negros dessa cidade: a abertura de um caminho que até bem pouco tempo estava fechado. Um caminho que consegui colocar a ponta do pé entre a porta e o batente, que apesar de estar cada vez mais apertado, de lá não retirarei o pé até que esse caminho fique totalmente escancarado.
Ter sido o primeiro vereador reconhecidamente negro desta casa legislativa não é o meu principal orgulho, mas o de ser referenciado como aquele que abriu as portas desta casa, dizendo a todos os afrodescendentes desta cidade que devemos meter a cara, disputar todos os espaços que tivermos condições de disputar e de contribuir com a população inteira, municiados com os atributos que a vida nos ensinou.
A luta pela liberdade, a luta pelas oportunidades e a luta contra o preconceito continuam, mas penso que elas não estejam mais focadas no campo do reconhecimento das desigualdades como arma política, mas no campo do reconhecimento das nossas competências. Para isso devemos mostrá-las, devemos lutar para conquistar todos os espaços que possamos preenchê-los com qualidade. Quanto mais espaços conquistarmos, mais negros serão estimulados à luta iniciada por Luiza Mahin, Ganga Zumba, Zumbi e todos os negros que deram suas vidas para o fim da opressão e para garantir a nossa liberdade.
Quero finalizar dizendo que a cor da pele ou qualquer outra característica ou opção humana não deve ser usada para homogeneizar pensamentos. Enganam-se os mercadores da vã filosofia que palavras bonitas em defesa na negritude nos fará soldados disciplinados a seguir lideres impostos que acreditam que somos ignorantes, fracos e domesticáveis. A nossa luta mostra que o caminho que escolhemos foi outro e que sabemos, gostamos e queremos pensar diferente não só em relação aos brancos, mas também em relação a nós mesmos. Isso é liberdade. Essa deve ser a nossa contribuição para o futuro do nosso país e da nossa cidade.
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