A Lei Maria da Penha, nº 11.340/06 completou cinco anos de existência em agosto, com aprovação de 80% dos brasileiros. Com o objetivo de proteger as mulheres da violência doméstica, a lei triplicou a pena para esse tipo de agressão, permitiu a prisão em flagrante dos agressores e acabou com as penas pecuniárias - quando a detenção é substituída por pagamento de multa ou cestas básicas. Para falar sobre este importante avanço da sociedade brasileira, entrevistamos esta semana, no Cara a Cara com A Cidade, a delegada Dra. Nagya Cássia de Andrade, que falou sobre todos os aspectos da lei. Confira a seguir os principais trechos da entrevista:
Jornal A Cidade: O que é a Lei Maria da Penha?
Dra. Nagya: Essa lei foi criada em 2006 como uma obrigação que o Brasil assumiu. Foi imposto ao Brasil criar esta lei frente aos tratados internacionais em razão de um caso específico em que o país não deu retorno a uma vitima chamada Maria da Penha Fernandes. Em seis anos de agressão contra ela, o Brasil não deu uma resposta, uma segurança para ela. Então, a vitima procurou ajuda na ONU (Organização das Nações Unidas), que obrigou o país a criar esse lei para prestigiá-la e também representando todas as mulheres do Brasil, no sentido de defender, dar maior guarida, uma proteção estatal para as mulheres em relação às agressões. Maria da Penha levou um tiro do marido e ficou paraplégica.
Jornal A Cidade: Quais os tipos de agressão contra a mulher?
Dra. Nagya: Violência física, moral, sexual, psicológica, e patrimonial.
Jornal A Cidade: Qual a pena para a violência doméstica?
Dra. Nagya: Não existe um crime específico de violência doméstica. Este tipo de violência abrange vários crimes que estão previstos no Código Penal. O crime pode ser desde o simples dano do patrimônio comum até o homicídio. A vitima passa pela ameaça, crimes contra a honra, como a injúria, calúnia, difamação, principalmente passa por lesões corporias, violência doméstica. Também tem a desobediência, no caso em que o juiz defere o afastamento do agressor do lar conjugal e ele descumpre isso, até chegar ao homicídio em si. A pena varia de 6 meses, para a simples ameaça, até 20 anos, que é a pena para homicídio.
Jornal A Cidade: A lei está fazendo cinco anos de existência. E Pode-se dizer que foi implantada um pouco tarde?
Dra. Nagya: O Brasil foi um dos pioneiros na implantação desta lei, que é uma das três melhores do mundo em relação à violência contra a mulher. Inclusive o vice-presidente Michel Temer, foi um dos pioneiros para criar as DDMs (Delegacia de Defesa da Mulher). Hoje no Brasil temos cerca de apenas 400 DDMs, mas isso vai melhorar.Temos também aqui na DDM, uma assistente social cedida pelo município, uma brinquedoteca, que conseguimos com o apoio da Estrela, Brind-Art e Promoção Social, para atendimento de crianças vítimas de estupro. Os brinquedos são uma maneira de amenizar o sofrimento da criança na hora de dar seu depoimento.
Jornal A Cidade: A agressão à mulher pode ser considerada uma questão cultural?
Dra. Nagya: Sim, as agressões se dão na frente dos filhos. Aí os filhos, seja de dois anos, de um anos, recém-nascido, de toda a faixa etária, vai adquirindo um sentimento ruim, de ver a mãe ser agredida, de ver uma briga de uma forma mais violenta entre o casal.Segundo estatísticas, os filhos de 5 anos criados em famílias violentas, apresentam problemas como pesadelos, chupar o dedo, fazer xixi na cama, ser tímido ou agressivo. Então, amanhã, quando ele fizer sua vida conjugal, a tendência dessa criança ser violenta é grande.
Jornal A Cidade: Como a mulher que é agredida deve proceder?
Dra. Nagya: A mulher agredida sexualmente, se o agressor não for conhecido, deve preservar a prova de DNA, que possa estar na parte da genitália, ou mesmo na parte oral. Não se deve tomar banho, lavar a boca, antes de fazer o Boletim de Ocorrência, pois através do DNA, podemos punir o autor do crime.As mulheres ou vêm pessoalmente na Delegacia de Defesa da Mulher, que Itapira tem o privilégio de ter, mais de 90% dos municípios não têm, temos o 180, para denuncias de violência domestica, e o disque 100, que é o disque denúncia nacional.
Jornal A Cidade: Em quais aspectos a Lei Maria da Penha pode ser melhorada?
Dra. Nagya: Como toda lei, a lei Maria da penha precisa de um intérprete. Nos últimos tempos, em razão de grande divulgação, de muita denúncia, os profissionais que interpretam a lei (advogado, promotor, delegado) estão fazendo uma releitura dessa lei para que ela seja aplicada com maior rigor possível, muitas vezes impossibilitando o pagamento de fiança e decretando a prisão preventiva do autor.Então, o agressor vai ficar preso, acabando com o medo que a vitima tem de ser agredida novamente. Um aspecto que a Lei precisa melhorar muito, assim como o próprio município, é em fazer parcerias com o Estado, criar mais redes de proteção a essas crianças, de orientação, de acompanhamento psicológico, abrigos de atendimento à mulher, pois há muitas mulheres atendidas que não temos para onde mandar.
Acho que o próprio município deveria fazer mais investimentos nessa área,seja na parte de promoção social, ou na parte de Conselho de Defesa da Mulher, para que a mulher tenha um lugar para ficar, pelo menos nesse período em ela esteja recebendo ameaças.
Um outro braço da Lei, é que ela exige a representação da vitima, ou seja, a manifestação de interesse da vítima em dar inicio ao procedimento policial. Mas como a vitima já esta com a auto-estima muito baixa, que tem um vínculo psicológico com o agressor muito grande, muitas vezes ela não segue adiante com o processo. Ela apenas faz o B.O, mas muitas vezes não quer que o agressor seja preso, por isso, não leva o processo adiante.
Está se estudando a possibilidade de o Estado compre essa briga. A partir do momento em que a mulher for violentada, o Estado a represente automaticamente. Feito o boletim, já inicia-se o processo.
Jornal A Cidade: Qual o perfil do agressor?
Dra. Nagya: Os mais variados possíveis. Marido, namorado, de todas as classes sociais. Vai depender da herança machista que ele traz dentro de si desde as origens, da educação que recebeu. Hoje em dia, o que a gente vê, é que as famílias não querem, não sabem, ou não podem falar não para os filhos e tudo é permitido. Não sei o que vem pela frente.
Jornal A Cidade: Quais os piores casos de agressão contra a mulher aqui em Itapira?
Dra. Nagya: Um casal tem oito filhos, e a dependência da mulher para com o companheiro é tão grande, ao ponto de ela não saber se expressar, em todos os sentidos. O dinheiro que eles recebiam do Bolsa Família, ela sequer sabia o valor, tamanha submissão. Ela não pode nem sair de casa. Recebemos uma denuncia anônima pelo disque 100. Ela não tinha vida própria.
Em um outro caso, o casal sempre tinham conflitos físicos e verbais, e a mãe filmou as agressões de lesão corporal e a criança assistiu a tudo. Esse caso também chamou bastante a atenção. Uma outra estatística que vem crescendo é de filhos agredindo a mãe, de destruição do patrimônio dentro de casa, por parte dos filhos, de furtos para consumo de drogas.
Jornal A Cidade: Quais as estatísticas de atendimento em Itapira?
Dra. Nagya: Flagrantes de violência em Agosto de 2011 – 11 casos; Lesão Corporal até 31 de julho de 2011 – 87 casos; Estupro -11 casos; Homicídios e Tentativas de Homicídio- 2 casos; Medidas Protetivas – 37 casos; Desaparecimento – 2 casos; Suicídio e Tentativa de Suicídio – 1 caso. O bairro com maior incidência de violência contra a mulher é o Jardim Magali.
Jornal A Cidade: Faça suas considerações finais.
Dra. Nagya: Tem algumas pessoas que dizem que a lei Maria da Penha veio para desconstituir a família. Mas que família é essa? Onde a mulher é submissa ao marido, a criança acha que o pai tem o poder total, inclusive de agressão física sobre a mãe, então realmente, há essa divulgação grande dessa lei e sua aplicação com maior rigor possível. Nesses cinco anos da existência da lei, acho que o progresso foi muito grande. Casos de maus tratos contra crianças, idosos, adolescentes e deficientes físicos foram 13.
Equipe DDM: da esquerda para direita: Mairane Alessandra da Silva ( escrivã), Fátima Regina Gonçalves ( assistente social),Nagya Cássia de Andrade (delegada), Maria Luísa Coutinho de Oliveira Goulart (escrivã de polícia).
Comentários, artigos e outras opiniões de colaboradores e articulistas não refletem necessariamente o pensamento do site, sendo de única e total responsabilidade de seus autores.