Fernanda Cruz
Repórter da Agência Brasil
São Paulo – Chapeuzinho Vermelho quer casar. O pretendente precisa ser negro, jamaicano e gostar de ler cordel. No fim da história, Chapeuzinho ganha uma festa de casamento de arromba. Com um sorriso no rosto, a poeta cordelista Cleusa Santo descreve essa e outras histórias divertidas que escreve para crianças, como o cordel Uma Formiga em Hollywood. Paulista, nascida em Tarumã, Cleusa é raridade entre os escritores desse tipo de literatura, justamente por ser mulher e não ter nascido no Nordeste.
Cleusa e outros autores conversaram com o público neste fim semana, durante o Festival Nacional do Cordel e da Cultura Popular (Fenacordel), que ocorreu no Memorial da América Latina, na capital paulista. O evento foi promovido pelo Instituto Leandro Gomes de Barros, instituição sem fins lucrativos destinada à promoção da literatura do cordel. Segundo os organizadores, passaram pelo festival cerca de 3 mil pessoas.
Isildinha Nascimento, professora há 25 anos, tem um pequeno acervo de cordéis em casa e aproveitou para aumentá-lo durante o festival. Formada em artes, ela leciona para crianças entre 8 e 9 anos e também para alunos da educação de jovens e adultos (EJA), na cidade de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo.
Isildinha conta que gosta de levar a literatura do cordel para as suas aulas. “Nas salas do EJA, geralmente, tem muitos nordestinos. Então, eles se encontram nessa literatura”, disse. Ela aproveitou o evento para conversar com um de seus autores favoritos, Varneci Nascimento. “Eu já tenho, de alguns anos, uma fascinação por cordel. Então, onde tem algum evento eu procuro estar. Hoje vim na intenção de encontrar o cordelista Varneci”, disse ela.
Nascido em Banzaê, interior da Bahia, o cordelista Varneci Nascimento é conhecido pelas histórias engraçadas, como o seu campeão de vendas, Dez Mandamentos do Preguiçoso em Cordel, com 10 mil exemplares vendidos. “Uma das veias que eu gosto muito de trabalhar é o humor. Eu acho que as pessoas precisam sorrir. O povo anda muito azedo, as pessoas estão fechadas, carrancudas. E na cidade grande isso é ainda pior”, disse ele.
Ele explica que as suas inspirações vêm de cenas do cotidiano paulistano. Essas histórias, conta, já renderam 67 livros publicados e mais de 200 escritos. Mas, apesar do grande volume de cordéis já escritos, Nascimento defende que escrever esse tipo de literatura não é tarefa fácil.
“Muita gente acha que o cordel é uma coisa simples, fácil, e não é. Deve ser difícil de fazer, mas fácil de entender. Cordel é matemático, porque ele tem as regras, por exemplo, uma sextilha tem seis versos, ele tem métrica, que é uma medida, cada verso tem sete sílabas poéticas, e tem o jeito de contar essas sílabas. Então, é preciso que você domine essa técnica para que você faça bem o seu cordel e que consiga conquistar os seus leitores”, disse.
O poeta cordelista João Gomes de Sá dedica-se à literatura há 30 anos. Na Universidade Federal do Alagoas, ele estudou a técnica do texto. “O cordel é uma literatura toda rimada, em versos, metrificada. Existe uma técnica própria”, explicou.
Sá destacou, além disso, outras formas da arte nordestina presentes no festival, como a xilogravura. “É uma arte que tem um diálogo com o cordel, mas não necessariamente estão ligadao. Houve uma época em que se usava a xilogravura para ilustrar as capas dos folhetos. Eu digo que a arte mais próxima do cordel é a xilogravura”, disse.
Havia, no festival, vários repentistas se apresentaram, como a dupla Adão Fernandes e João Dotô. Adão, que nasceu em Iguatu, no sertão do Ceará, conta que o repentista já nasce repentista. “O repente é uma expressão criada dentro de cada um de nós, que faz fluir um sentimento, que está guardado dentro da gente. Você oculta a sua tristeza para levar alegria para alguém.”
Ele destacou a proximidade da arte que produz com a literatura do cordel. “O cordel e o repente são irmãos. Como existe, entre irmãos, um que segue a medicina, outro quer advocacia, o outro parte para a construção civil. É completamente diferente, mas com a mesma proposta de trabalho.”
Para ele, o repente é apenas uma das muitas riquezas ocultas no país. “A cultura do Nordeste é a única cultura tradicionalmente brasileira, sem miscigenação. O repente, por exemplo, o cordel, o embolador de coco, o vaqueiro, aboiador de praça e o forró antigo com zabumba, triângulo e pandeiro, tudo isso é tradição do Nordeste”, destacou.
Edição: Juliana Andrade
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