Ainda não terminei a questão da representação de interesses. Mas a situação ocorrida em São José dos Campos tem tudo a ver com o problema da representação, pois o prefeito do PSDB está atendendo os interesses dos ricos contra os pobres moradores. Então vamos debater esta questão.
Um direito aparece como uma necessidade humana básica devidamente regulamentada numa lei que deve proteger a dignidade dos cidadãos. Desta forma, seria algo de uma ordem natural, ou seja, um elemento da estrutura do Estado de direito, das nações democraticamente constituídas, que deveria sempre existir. Sua ausência é uma excrescência que foi devidamente corrigida com a evolução dos tempos, figurando como fundamental para a própria lógica da vida social. Enfim, muitas vezes, um direito aparece como uma doação, como um benefício de cima para baixo que foi instituído moralmente por legisladores que chegaram à conclusão de que tal perspectiva era a essência das relações sociais.
Não é esta a impressão que fica do episódio envolvendo os moradores do Pinheirinho em São José dos Campos. Eles vivem em uma área da qual não dispõem de título de propriedade, e isto por mais de 10 anos. Bem, receberam nos últimos dias a ordem de despejo. Portanto, o Estado de direito não reconheceu o direito deles de morarem com um mínimo de dignidade, denotando que os direitos não são assim tão naturais. Por outro lado, os mesmos moradores tiveram a brilhante ideia de se armarem para fazer valer o tal direito, demonstrando que os direitos não são um benefício que se consegue mediante um protocolo ou requerimento junto aos órgãos municipais. No fundo, os direitos não estão “dando sopa”, à espera do beneficiário, bastando que exista uma necessidade humana (e morar é uma delas, correto!) para que o direito correspondente se manifeste automaticamente. Mas ainda existe um problema: e o direito do dono da área onde os moradores estão presentes? Neste caso, uma coisa ainda é manifesta: existem direitos, mas eles não são absolutos, pois podem entrar em choque, ou seja, o direito de moradia de milhares em oposição ao direito de propriedade de um único sujeito. Ainda assim, fica latente que a questão dos direitos não é da ordem de um dispositivo imediato de atendimento às necessidades de todos os cidadãos que se abrigam sob uma mesma constituição, pois existem alguns direitos que aparecem como prioritários. Ou seja, o direito de propriedade se sobrepõe ao direito de morar com dignidade. (continua)
Flavio Eduardo Mazetto (cientista político e professor) [email protected]
Comentários, artigos e outras opiniões de colaboradores e articulistas não refletem necessariamente o pensamento do site, sendo de única e total responsabilidade de seus autores.