Mas o outro efeito é ainda mais devastador. Quando a comunidade resolve realizar (substituir) a prefeitura em serviços de melhoria, sem constatar que a defasagem publica é conseqüência da lógica mercadológica e capitalista na sociedade atual, promove-se a desarticulação dos trabalhadores em enfrentar a própria estrutura do poder na sociedade (sem contar que tal substituição não obriga a contratação de novos funcionários, reduz os custos operacionais da fazenda pública. Quando a burguesia realiza algo deste tipo geralmente ela se beneficia de desobrigações fiscais – redução de impostos).
Em outras palavras, o que é mais grave, desconsidera-se o antagonismo social, deixando-se de lado a luta por ruptura social na sociedade capitalista, visto que se passa a entender (no pensamento e na prática) que as ações desenvolvidas vão gradualmente, lentamente e sem conflitos consertar a vida social. O problema é que a vida social capitalista não precisa e não deve ser consertada, mas combatida, questionada, destruída. Em tempo, não me venham dizer que ainda não é possível uma luta mais radical pela falta de consciência do povo, pois se trata de mais um pressuposto que impede exatamente qualquer luta com caráter de ruptura.
Para complicar ainda mais uma estratégia revolucionária, o enfoque reformista e conciliador acima referido reforça um conceito de cidadania sob a ótica de manutenção do status quo. No fundo, a categoria de cidadania nunca comporta um corte revolucionário nas condições de vida do trabalhador. Ou seja, não é a partir do avanço da cidadania que teremos rupturas sociais ou o fim da exploração, a superação das desigualdades. É taticamente saudável lutar por melhorias, todavia estas não significam o fim das divisões sociais, das classes sociais.
As ações descritas acima interditam uma luta que se inscreva num horizonte de ruptura social, pois acabam restringindo a cidadania naquilo a que ela realmente corresponde: reformismo e manutenção do domínio social. Ou seja, trata-se de superar os voluntarismos (por que será que as ações da FARC nunca foram consideradas voluntarismo, ou a luta dos Sem-terra ou então as ações dos grupos armados contra a ditadura....), as ações que rejeitam uma luta estratégica contra o poder burguês, o que só pode ser realizado com uma crítica visceral ao modo de viver do capital. Nas basta solidariedade; é preciso radicalidade.
Flavio Eduardo Mazetto (cientista político e professor) [email protected]
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