HUMBERTO BUTTI
Sou de um tempo em que a palavra do pai era lei. E ai de quem ousasse não cumprir.
Lembro bem que tinha meus 13 anos, frequentava a terceira série ginasial e, apesar das boas notas que sempre tirei, vez por outra saía da linha e me dispersava, talvez por conta da adolescência. E essa desviada pelos caminhos da brincadeira acabou por levar meu pai, após uma daquelas reuniões de pais e mestres, a dar a ordem expressa: ‘a partir de amanhã você vai sentar na frente do Gildo Piardi’.
A ordem foi cumprida e no dia seguinte lá estava eu, sentado na frente do Girdão, como a gente chamava aquele rapaz espigado, de cabelos loiros e encaracolados. Ele era dois ou três anos mais velho que eu e, junto com o irmão Miltinho, havia entrado na turma naquele ano.
Claro que meu comportamento mudou, passei a me comportar, mais por medo da bronca que poderia levar em casa, mas a influência do novo vizinho de classe também foi determinante. Aos poucos fui conhecendo sua determinação e sua perseguição pelo perfeccionismo.
Nas aulas de Educação Física era sempre um dos mais afiados e sua performance o levou a integrar o time de frente do atletismo da escola, comandado pelo eterno professor Barretto. Quando tinha uma prova de mil metros, tradicional naqueles tempos, a história era sempre a mesma, com ele chegando sempre na frente.
Lembro bem de sua estratégia de corrida. Largava sem pressa, ficava lá em último na primeira volta e, aos poucos, com passadas largas e determinantes, ia ‘jantando’ os concorrentes, como costumava falar.
Fora da escola sua forma de agir era a mesma. Não admitia perder e, se preciso fosse, acabava com a brincadeira antes de sair perdedor.
Lembro de um campeonato de botão que organizamos em sua casa na época da Copa de 70. Éramos 16 jogadores, 15 da nossa classe do IEEESO mais o Humberto, o mais novo dos Piardi, cada um com uma seleção e a competição seguiria os mesmos moldes da Copa, com a mesma tabela.
Meu time, por sorteio, era o Brasil. Lembro que o Luís Paulo Souza Ferreira jogava com a Tchecolosváquia e o Girdão era a Inglaterra e ambos estavam na mesma chave que eu.
Depois do primeiro jogo com o Luís Paulo, que terminou empatado em 4 a 4, eu teria que enfrentar o ‘poderoso’ Girdão. Depois de um começo equilibrado comecei a abrir vantagem e não deu outra. Vendo que iria perder ele deu um jeito de acabar com o jogo e com o torneio.
Essa estratégia também permeou sua caminhada por esse mundo. O perfeccionismo pontuou sua passagem por essas bandas e o tornou um vencedor em todos os setores.
Foi campeão brasileiro e sul-americano, brilhou nas pistas e construiu sua existência dando exemplos a cada passada larga. E assim foi até o ocaso precoce de sua existência.
Afinal, não foi ele que perdeu a vida apesar da batalha que travou contra um mal implacável. Foi a vida que perdeu um grande homem, que deixa uma trajetória de brilho e de ensinamentos aos que o conheceram e aprenderam, como eu, a admirar aquele rapaz espigado de cabelos encaracolados e com mania de perfeição.
(Gildo Henrique Piardi faleceu no dia 26 de julho de 2014, aos 60 anos, mas, se estivesse neste mundo seria um dos entrevistados sobre o trabalho desenvolvido pelo professor Barretto)
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