A mensagem da cruz está no centro da mensagem do Evangelho: “Pois Cristo não me enviou para batizar, mas para pregar o evangelho, não com palavras de sabedoria humana, para que a cruz de Cristo não seja esvaziada. Cristo, Sabedoria e Poder de Deus. Pois a mensagem da cruz é loucura para os que estão perecendo, mas para nós, que estamos sendo salvos, é o poder de Deus” (1 Co 1.17,18). Mas, não só o centro da mensagem, como constitui também uma irrenunciável experiência existencial do discípulo de Cristo: “Então Jesus disse aos seus discípulos: "Se alguém quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Mt 16.24) e ainda: “Os que pertencem a Cristo Jesus crucificaram a carne, com as suas paixões e os seus desejos” (Gl 5.24). Entretanto, a presente geração de cristãos parece ignorar essa característica inerente à vida cristã. Em muitos púlpitos, quase não há espaço para a teologia da cruz. O ensinamento sobre experiência de identificação com Cristo em sua paixão, foi substituído em grande medida, pelo ensino da prosperidade, da vitória, das conquistas materiais. O sofrimento em suas muitas manifestações, como enfermidades, limitações financeiras, infortúnios, são identificados simplória e levianamente como falta de fé ou até mesmo como o preço de um pecado pessoal. De fato, a incredulidade e o pecado acarretam sofrimentos e desconfortos, contudo, para o crente que sabe que tudo é graça em sua vida, também as experiências de cruz se tornam enriquecedoras, sofrer por Cristo e com Cristo é uma graça evangélica: “pois a vocês foi dado o privilégio de, não apenas crer em Cristo, mas também de sofrer por ele” (Fp 1.29), assim, como Pedro ensina: “Amados, não se surpreendam com o fogo que surge entre vocês para os provar, como se algo estranho lhes estivesse acontecendo. Mas alegrem-se à medida que participam dos sofrimentos de Cristo, para que também, quando a sua glória for revelada, vocês exultem com grande alegria” (1 Pe 4.12,13), portanto, nunca deveríamos tomar por estranho ou absurdo o fato de passarmos por fortes provações e não poucas dificuldades. O livro apócrifo de Eclesiástico que está presente nas Bíblias católicas, estampa o seguinte: “Meu filho, se entrares para o serviço de Deus, permanece firme na justiça e no temor, e prepara a tua alma para a provação; humilha teu coração, espera com paciência, dá ouvidos e acolhe as palavras de sabedoria; não te perturbes no tempo da infelicidade, sofre as demoras de Deus; dedica-te a Deus, espera com paciência, a fim de que no derradeiro momento tua vida se enriqueça. Aceita tudo o que te acontecer. Na dor, permanece firme; na humilhação, tem paciência. Pois é pelo fogo que se experimentam o ouro e a prata, e os homens agradáveis a Deus, pelo cadinho da humilhação” (Eclo 2.1-5). Conquanto não seja para nós, evangélicos, um livro inspirado pelo Espírito Santo e, portanto, não seja uma escritura canônica, não quer dizer que não possua um imenso valor sapiencial e didático a passagem aqui citada. Calvino vai na mesma direção e nos ensina o seguinte sobre a presença do sofrimento na vida daqueles que são amados de Deus: “Os que vivem em comunhão com Cristo precisam preparar-se para uma vida difícil e turbulenta, saturada com muitos tipos de mal. Porque a vida de Cristo foi uma cruz constante, a nossa deve incluir o sofrimento. Participamos não só dos benefícios de sua obra expiatória na cruz, mas também experimentamos a obra do Espírito Santo que nos transforma na imagem de Cristo”. Para o cristão autêntico o levar a cruz e o suportar das adversidades é uma medicina espiritual, revela a nossa fragilidade, a nossa necessidade de Cristo e aguça a nossa consciência para a presença do mal em nós e no mundo. Através da cruz, como ensina o Rev. Joel Beeke ‘aprendemos a sentir o desprezo da vida atual, quando comparada com as bênçãos celestes’. A cruz nos recorda todos os dias que não somos nativos desta terra e desta vida, somos estrangeiros e estamos em uma peregrinação para a pátria. Lá, nada de impuro, imperfeito ou pecaminoso encontrará abrigo, assim, desde agora, a cruz é como um cinzel nas mãos de um sábio artífice que vai esculpindo e modelando em nós a semelhança com Jesus. Nesses dias que parecem tão absurdos, quando a experiência da dor está tão onipresente em nossas vidas, saber que nada é aleatório ou sem sentido e que ainda permaneça o mistério dos inúmeros ‘porquês’, o cristão descansa e aproveita, por assim dizer, essa época onde a cruz está projetada sobre a humanidade e cobre com a sua silhueta muitas famílias, a identificar-se ainda mais com Cristo. Pois Ele, mesmo sofrendo a hostilidade dos homens, uma brutal violência em seu corpo santo e levantado na cruz para a sua ignomínia, não fez gesto algum de violência, antes abriu os seus braços no transepto para a todos acolher. Jamais praguejou, antes, intercedeu por seus algozes. Renunciou ao seu bem-estar e pensou na solidão de João e na velhice de Maria. Na hora mais sofrida, havia superabundância de misericórdia em seu coração para colocar no Reino um ladrão arrependido e devoção transbordante de seus lábios para o louvor e a confiança no Pai. A pedagogia da cruz é a única capaz de nos ensinar com clareza e exatidão o que significa seguir a Jesus.
Reverendo Luiz Fernando é Ministro do Evangelho na Igreja Presbiteriana Central de Itapira
Comentários, artigos e outras opiniões de colaboradores e articulistas não refletem necessariamente o pensamento do site, sendo de única e total responsabilidade de seus autores.