Inconscientemente pensamos na possibilidade do culto apenas em termos comunitários, no ajuntamento no templo, em pequenos grupos ou em família. Dificilmente pensamos no culto como um ato pessoal, individual na presença de Deus, tendo por testemunhas e ‘coadoradores’ somente os anjos. Os grandes encontros nas Escrituras entre Deus e o homem ou se deram em um momento de adoração pessoal ou levaram a isso. Abraão, Moisés, Jacó, Davi, Isaías, Maria, para superficialmente ficar apenas nestes. Na solidão ensurdecedora do deserto, no perturbador silêncio das alturas de uma montanha, na pavorosa escuridão da noite, nas estepes sob o céu estrelado, no templo neblinado pelo incenso ou no recesso do lar, as personagens citadas mudaram os rumos de suas vidas e tiverem o seu caráter transformado nessa experiência indescritível do culto pessoal, do encontro a sós com Deus, da rendição completa e irreversível da vida em humilde prostração diante do Eterno. A história da Igreja sempre testemunhou a força do culto pessoal para o sustento da vida cristã e da comunidade de fé. Ainda que pesem as devidas e oportunas críticas aos vários movimentos de homens e mulheres que fizeram da prática do culto pessoal o seu itinerário para Deus, como os pais do deserto, os anacoretas e as muitas formas primitivas de vida monástica, ainda sim, é possível aprender muito com essas personagens, não raras vezes, extravagantes. Deles aprendemos que a adoração pessoal é de caráter absoluto e não pode ser menosprezado sem prejuízos para a paz da alma, a estabilidade do coração e o desejo de comunhão e fraternidade sincera com os demais cristãos. Entretanto, ao longo da bimilenar história da Igreja, é possível encontrar outros tantos que se dedicavam ao cultivo do culto pessoal como meio de preservar a sua sanidade mental, a saúde espiritual, a integridade do coração e o disciplinado foco na missão e no ministério. Lutero, Calvino, John Owen, Robert McCheyne, Jonathan Edward, David Brainerd, também para roçar superficialmente a história, possuímos o testemunho deles de como o cultivo do culto pessoal fez toda a diferença em suas vidas. É verdade, que o momento devocional, aquele tempinho fugidio de cada dia, uma leitura rápida das Escrituras ou de um texto piedoso e aquelas orações ‘tipo reportagem’ constituem uma modalidade de culto pessoal. Mas, não é disso que se trata nessa pastoral. O culto pessoal que tenho em mente é aquele em que alguns elementos são indispensáveis para a concorrência de um maior proveito espiritual. Em primeiro lugar, deve-se ter a intenção de fazer daquele ato um culto genuíno à Trindade, uma decidida exaltação e magnificência de cada uma das pessoas da Trindade e seus ‘papéis’ em nossa existência, redenção, santificação e futura glorificação. Em segundo, o tempo reservado para isso, sem pressa, como diziam os antigos, sem escurrilidade, sem ser premido pelos reclames de compromissos imediatos. Na adoração pessoal, o tempo deve dar licença à eternidade e a pressa deve ceder o seu lugar para o repouso. Em terceiro lugar, o ambiente. Claro, podemos prestar um culto a Deus e elevar a nossa mente em adoração dentro do metrô, no horário de pico, numa estação da zona leste de São Paulo em dia de jogo do Corinthians. Mas, não é isso. Um ambiente de silêncio, sem maiores distrações e perturbações exteriores, se possível um lugar aberto ou que proporcione uma vista aprazível. O lugar não é determinante, mas pode ajudar a desaceleração da mente e do coração e nos levar a centrar os afetos na ‘santa Presença’. O quarto elemento é que o culto pessoal também deve ter uma ‘estrutura’ mínima. Bem sei que a maioria das tradições evangélicas não a possuem nem mesmo em seu culto público, mas na adoração pessoal, um mínimo de estrutura nos ajuda a evitar a dispersão e um sentimento de alienação. Por isso, sem jamais nos fechar à liberdade do Espírito Santo, ter junto a si hinos escolhidos, salmos para orar e meditar, um texto bíblico para ler faz muita diferença. Ter um rol de orações, intercessões e motivos para a ação de graças, também. E por fim, em cada ‘Encontro’ com Deus em nosso culto pessoal é preciso que haja a ocasião para renovar com o Senhor a nossa parte na Aliança, a nossa disposição de servir em missão e o desejo que a sua vontade seja feita em nossa vida, não importando quantos planos ou sonhos, ainda que legítimos, estejamos acalentando no coração. Pensando nessa realidade do culto pessoal, agora podemos entender que o culto público da Igreja deveria ser a reunião corporativa dos adoradores individuais. Na verdade, o nosso culto comunitário seria muito mais caloroso e iluminador se cada crente trouxesse acesa já em seu coração, a chama da adoração cultivada em solidão e solitude. Cultive o culto pessoal com excelência e piedade e experimente as desconcertantes transformações no encontro com o Eterno.
Rev. Luiz Fernando Dos Santos é pastor na Igreja Presbiteriana Central de Itapira.
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