“Eu amo o Senhor, porque ele me ouviu quando lhe fiz a minha súplica” (Sl 116.1).
A oração ocupa um lugar central no desenvolvimento da vida cristã. Não há verdadeira espiritualidade, nem real conhecimento de Deus à parte da oração. A oração é como que a alma do cristianismo, é a força vital da igreja, é o que ‘empodera’ o pregador e torna o ouvinte capaz de ouvir e gozar o Evangelho. Onde não há vida disciplinada de oração, não há leitura proveitosa das Escrituras, nem reto entendimento da doutrina e muito menos uma ética compatível com aquilo que se crê.
A Bíblia já demonstra o zelo e o cuidado, bem como a utilidade da oração. Desde Enoque, o primeiro a invocar o nome do Senhor, a Bíblia faz desfilar diante de nossos olhos uma imensa galeria de homens e mulheres orantes: Abraão, Jacó, Moisés, Ana, Ester, Sansão, Salomão, Daniel, Davi e etc. Há também os que ensinavam a orar, dentre eles João Batista e o próprio Senhor Jesus que além de um apaixonado orante era um mestre da oração.
Depois desta era gloriosa testemunhada pelas páginas das Escrituras, a história eclesiástica apresenta grandes homens e grandes tratados sobre a oração: Os Pais do Deserto, Os Pais do Jura, As Histórias Lausíacas, O grande Antão Patriarca dos monges, as comunidades de Pacômio são testemunhas de como a oração sustentou o cristianismo em meio à perseguição do Império Romano ou no caos do sincretismo pagão que ameaçava a pureza da Igreja.
Passados esses dias conhecemos a era áurea dos Pais da igreja que sistematizaram a doutrina da oração com seus escritos, tratados e catequeses: Hilário de Poitiéres, Columbano Abade, Evágrio Pôntico, Mônica, que alcançou de Deus após longas e constantes vigílias de oração a conversão do filho Agostinho de Hipona o maior dos pais da Igreja Latina e grande orante e teólogo da oração, Máximo Confessor, Orígenes Presbítero, Cipriano de Cartago e Clemente de Alexandria, para ficarmos nestes aqui.
Estes homens tiveram o zelo e o cuidado de fazer a igreja compreender que a oração é parte integrante do Evangelho, da natureza mesma da Igreja e da vocação cristã. Insistiram em ensinar que a oração substitui e cumpre os preceitos cerimoniais do Antigo Testamento com perfeição com base na obra da cruz e o que ela conquistou para nós. Ensinaram que a oração é o Evangelho reverberando nas câmaras secretas do coração em ânsias de amor. Catequizaram suas comunidades para que dedicassem à oração por todas e quaisquer necessidades legítimas, urgentes, dignas de Deus e dos homens. Que orassem sempre, em qualquer tempo e lugar e sobre qualquer pretexto.
Valorizaram grandemente a oração litúrgica e pública da Igreja, sobremaneira o cantar de Salmos e Hinos a quem atribuíram a mesma eficácia e natureza da oração, só que enriquecida pela música. Convenceram os santos de seus dias de que a mais sublime vocação do cristão é a oração, isto é, o colóquio amoroso, íntimo e adorante com Deus que se inicia nesta jornada terrestre e se intensifica sem jamais se encerrar na Igreja gloriosa nos céus, onde, neste exato momento, os santos e os anjos adoram numa “Laus Perenne” (louvor pepétuo).
Um cristão não afeito a oração é um cristão não afeito ao céu, o que seria incompreensível! A Idade Média presenteou-nos com outros gigantes da oração embriagados de amor por Deus: Bernardo de Claraval para quem a oração era mais doce do que os favos de mel, Francisco de Assis, os pré-Reformadores Pedro Valdo, Savanarola, J. Huss e a vida mística dos Cátaros e Albiginses que dedicavam longos momentos à contemplação do crucificado de cujo suplício participaram sendo queimados como hereges ou decapitados como inimigos daquele a quem na verdade tinham por único Senhor e Deus.
Neste período temos grandes mulheres mestras de oração, Catarina de Sena, Hidegardis, Teresa D’ Vila, Beatriz de Nazaré e Juliana de Norwici. Já nos dias da Reforma a história testemunha um Lutero contemplativo e dedicado à oração não obstante a sua agenda convulsionada. Melacthon testemunha que quanto mais congestionada a agenda e quanto maiores eram as responsabilidades, mais cedo Lutero acordava para dedicar-se maior tempo em oração aos pés do Mestre, donde vinham força, energia, coragem, intrepidez e sabedoria. Calvino também era um homem que passava longas horas em sua sala de oração. Não iniciava um traçado de seus escritos, ou não debruçava sobre quaisquer aspectos da doutrina ou problemas práticos da Igreja de seus dias, sem que antes se curvasse diante de seu Senhor em oração e ainda, amava cantar os Salmos, para ele, a forma mais sublime de oração.
A semana que vem, veremos como os puritanos e as confissões de fé valorizaram o papel da oração e aí sim falaremos um pouco mais de sua eficácia, necessidade e urgência em nossa vida cristã e em nossa caminhada eclesial hoje.
Reverendo Luiz Fernando
É Ministro da Igreja Presbiteriana do Brasil em Itapira
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