É raro encontrarmos um artigo que não comece o seu enunciado com a expressão: ‘Em tempos de pandemia’ ou que apontando para o futuro não diga ‘no novo normal’. Entretanto, eu quero escrever nesse breve artigo sobre o tempo presente partindo do fato que tudo o que está acontecendo agora e o que vier depois será fora do normal. Em tempos de normalidade, muitas vezes, pensamos e nos comprometemos em missões sem sair de nossa zona de conforto, sem que seja preciso algum esforço adicional ou um sacrifício pessoal. Pelo contrário, acomodamos a nossa preocupação com as missões dentro do planejamento estratégico e resumimos muito do nosso pretenso engajamento, ao mês das missões, agosto, e uma semana de conferência missionária, a visita de uma família missionária para quem sabe sensibilizar a comunidade e uma coleta. Em raríssimos casos planejamos uma viagem missionária que em muitos casos fica difícil duvidar do escopo turístico que ela pode ter para muitos. Não há nenhuma atividade continuada e sistemática na igreja para despertar vocações missionárias. Os pastores quase não incentivam os pais a consagrarem os seus filhos para a obediência da Grande Comissão. A maioria dos pais não pensam e quando são instados, se recusam a considerar o fato de que seus filhos podem ser chamados para entregar as suas vidas de maneira integral à obra da evangelização em contextos difíceis ou em terras longínquas. O ‘deus’ deste século cegou pastores e pais, encheu o coração dos primeiros de um certo senso de ‘inconveniência’ ou ‘inoportunidade’ quanto ao assunto. Quanto aos pais seus olhos foram seduzidos pelo sonho de uma carreira profissional brilhante ou sucesso na vida financeira. A pandemia pôs um freio em nosso ativismo e de repente deu-nos a oportunidade de considerar mais atentamente como a nossa igreja e as nossas vidas estão de fato servindo aos propósitos missionários de Deus. Podemos organizar esse tempo oportuno da suspensão dos trabalhos presenciais da igreja, inclusive muitos não essenciais, em quatro atos extremamente missionários. 1º Ato: A Bíblia. Conhecer mais profundamente a natureza missionária de Deus, seu povo e a minha própria condição de ser chamada a existência com um propósito missionário. Esse primeiro ato é fundamental porque não se pode se quer pensar em missões sem ler e estudar o drama da redenção nas Escrituras. Nelas encontramos a iniciativa missionária de Deus na criação, na busca pelo primitivo casal após a Queda, na eleição de Abraão, na Lei, no anúncio universal da misericórdia pelos profetas e mais perfeitamente no envio de Jesus Cristo, o missionário do Pai (Jo 3.16). Mas, quanto mais avançamos, mais encontramos a identidade missionária da Trindade forjando e se misturando à identidade missionária do povo salvo, de maneira especial nos Atos do Apóstolos e nas epístolas do Novo Testamento. A partir destes textos neotestamentários descobrimos que somos todos testemunhas-missionárias de Jesus e não há propósito maior para a nossa vida, não importando como a realizamos social e historicamente. Como diria Charles Hadon Spurgeon: ‘Todo cristão é um missionário ou é um impostor’. 2º Ato: Confronto. Agora que sabemos que não há possibilidade de uma genuína experiência de salvação e de pertença ao povo de Deus sem possuir uma desenvolvida consciência missionária, uma índole missionária, na verdade, que Spurgeon chama o ‘cristão’ não engajado em missões de impostor, ou seja, de uma fraude religiosa. Então é preciso que cada um se confronte, se encare no espelho da caridade, se enfrente no tribunal de sua consciência e veja o quão fragilmente a sua vida serve aos propósitos de Deus que é ganhar os confins da Terra para o senhorio de Jesus. Esse confronto se dá não sob os estertores do moralismo e da culpa, mas sob a influência da misericordiosa graça de Deus que em Cristo nos oferece perdão e restauração. Nos oferece um novo andar na vontade de Deus. 3º Ato: Dispor-se. É inevitável que quando nos confrontamos com a graça não sejamos convencidos e mesmo seduzidos de que seremos mais felizes se estivermos efetivamente trabalhando com Deus e para Ele. Aqui é preciso seguir os passos do profeta e declarar ao Senhor: “Eis me aqui, Senhor. Envia-me” (Is 6.8). E deixar que graça faça o resto. 4º Ato: Engajar-se. O Deus que chama, indica o local para onde ir e ainda providencia os meios. Então, não se trata exatamente se tenho uma vocação específica ou não. Se trata antes de obedecer efetivamente a esse Deus que me chamou à existência para que vivesse em tudo para a proclamação de sua glória. Jogar as redes, espalhar a semente, colocar a mão no arado são todas imagens bíblicas para o engajamento. Aqui vai mais uma, aproveite as necessidades desta pandemia que nos abrem grande oportunidade para servir em missões e arregace as mangas e vá!
Reverendo Luiz Fernando é pastor na Igreja presbiteriana Central de Itapira
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