O século XX e o início do século XXI foram palcos de grandes transformações em todas as áreas. Artes, tecnologias, ciências, culturas, relações sociais, sexualidade, religião, não houve uma única dimensão da vida que não passasse por profundas mudanças. No que diz respeito às grandes conquistas tecnológicas e culturais, elas foram se impondo, e às vezes numa velocidade tal, que nem nos demos contas de que algo grandioso estava acontecendo. Simplesmente passaram a fazer parte das nossas vidas, e, mais ou menos inconscientemente passamos a tê-las por tão normal e comum, até parece que sempre estiveram aí. Isto pode ser demonstrado de maneira simplista, inclusive, pela onipresença dos telefones celulares, da dependência cotidiana que temos do Wi Fi, de estarmos sempre conectados. Embora a minha geração tenha nascido antes da internet, hoje fica difícil imaginar o mundo sem a rede, de como ele era. Agora é diferente, nessa pandemia, estamos vendo a História sendo escrita diante dos nossos olhos. E mais, não há espaço para sermos passivos expectadores. E dessa vez, embora o contágio e o número de mortos sejam céleres, os dias passam angustiantemente lentos. Lentos e dolorosos. Em meio ao triste enredo dessa trama, desse drama, a História reserva generosamente espaço para os seus heróis, anônimos e conhecidos, e também mártires, mártires involuntários, que tombaram no cumprimento do seu dever e ofício como médicos, enfermeiros e demais profissionais da saúde e de todos os que prestam serviços para as engrenagens do mundo não parar. Há também mártires voluntários, como é o caso daquele sacerdote católico de 72 anos, Giuseppe Berardelli, que recusou ser colocado no respirador em favor de um homem muito mais jovem. O padre faleceu de COVID-19, no dia 24 de março, último, na cidade de Bergamo, na Itália. A História também tem lá a sua galeria de vilões, como os fraudadores dos programas de auxílio e transferência de rendas, os ladrões de insumos e EPIS nos galpões dos aeroportos, os oportunistas que querem lucrar com a tragédia alheia colocando o preço do gás de cozinha nas alturas ou praticando preços abusivos em produtos de primeiríssima necessidade e etc. Sem falar dos vilões que desejam usar a pandemia e suas tragédias como palanque eleitoral. Nada é mais vil ou miserável do que politizar essa pandemia ou valer-se dela para consolidar e expandir impérios religiosos que exploram o desespero das massas. Mas, e o nosso lugar nessa História, qual seria? Qual o papel que nos cabe como discípulos de Cristo, Senhor da História? Cabe a igreja de Cristo nessa hora de trevas, fazer (deixar) brilhar a luz de Cristo, por meio de iniciativas simples, locais, oferecendo ajuda criativa e comprometida com as necessidades em seu redor. Pequenas decisões e pequenas ações, localizadas, quando somadas, transformam a realidade. Procure ajudar os necessitados, proteger os vulneráveis, fazer-se presença em contextos de solidão. Ofereça-se para tornar a vida dos que correm maior risco em dias mais amenos e a dor mais suportável. É nosso dever manter viva a esperança no coração dos homens. Não uma esperança que se funda na capacidade humana, mas em Deus, em seu amor, sua bondade, sua providência. A pandemia é uma oportunidade única para levar os homens e as mulheres dos nossos dias a conhecer e a experimentar a maravilhosa graça de Cristo e o conforto do Espírito Santo. A esperança fundada em Deus e em sua palavra está ancorada na vitória de Cristo sobre o mal e a morte e a certeza de que nele, haja o que houver, somos mais que vencedores! Somos cidadãos do Reino dos Céus e cumprimos a nossa peregrinação na cidade dos homens, então, é nosso dever, à luz dos valores do Reino, ajudar a diminuir esta espiral de contágios, o quanto pudermos, ficando em casa. Temos que oferecer um testemunho alegre, sacrificial e cativante também na observância desse necessário isolamento social. Todavia, não vendo isso como um castigo ou peso, mas como uma oportunidade para demonstrar o quanto reconhecemos a sacralidade e a inviolabilidade da vida humana. Também para deixar claro que não é uma questão de medo, não, aqui o amor vence o medo e é uma questão de amor ao próximo não nos colocando, jamais, na condição de vetores desse vírus. As nossas decisões de hoje (imperceptíveis ou notórias), dirão como será o nosso amanhã. A História é viva, caminha, está sendo escrita, mas não é autônoma. Cremos no registro do apóstolo João: “Aquele que estava assentado no trono disse: ‘Estou fazendo novas todas as coisas!’ E acrescentou: Escreva isto, pois estas palavras são verdadeiras e dignas de confiança" (Ap 21.5). Crendo nisso, assumamos nosso lugar na História e comecemos o nosso amanhã, que logo virá, decidindo hoje, como ele será.
Reverendo Luiz Fernando é Pastor da Igreja Presbiteriana Central de Itapira
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