Essa é uma pergunta da qual não podemos mais nos esquivar em nosso tempo. Há muito o ministério pastoral está em descrédito na sociedade e na própria igreja. Muitos são os fatores para que isso tenha acontecido, e aqui, não é o melhor lugar para se tratar do assunto. Recomendo, entretanto, a obra de Kevin Vanhoozer, “O Pastor como Teólogo”, que trata com precisão cirúrgica e muita clareza das causas que levaram ao desprestígio do mais nobre ofício já concedido aos homens. Hoje gostaria apenas de propor uma rápida consideração do assunto para a nossa reflexão comunitária. Uma das fortes razões para o descrédito dos ministros, evidentemente, tem a ver com uma grave crise de identidade espiritual e funcional. Quanto a identidade espiritual os pastores já não se entendem como homens encarregados dos mistérios de Deus e despenseiros da multiforme graça de Deus. Confundiram os títulos e o cargos, com a natureza espiritual de seu ofício. Assim, ser pastor e ou reverendo parece pouco. Ser tratados e chamados de bispos já não contenta a ninguém. Querem se fazer passar por patriarcas, profetas e agora apóstolos. Tenho até medo de cogitar o que poderá vir a seguir. Todavia, olhando para o Novo Testamento, encontramos a identidade espiritual do pastor. Um pecador redimido que foi comissionado por Deus para lidar com as questões mais essenciais da vida. Um homem pecador, em processo de santificação, que foi alçado à perigosa condição de discípulo modelo do rebanho. Sim, os pastores são chamados a viver e a servir de padrão de conduta, de modelos espirituais e morais, de espelhos através dos quais a imagem de Cristo se reflete no mundo. Facilmente nos esquecemos do que o próprio Paulo ensinou a respeito: “Ninguém despreze a tua mocidade; mas sê o exemplo dos fiéis, na palavra, no trato, no amor, no espírito, na fé, na pureza” (1 Tm 4.12); “Conserva o modelo das sãs palavras que de mim tens ouvido, na fé e no amor que há em Cristo Jesus” (2 Tm 1.13); “Sede meus imitadores, como também eu de Cristo” (1 Co 11.1); “Sede também meus imitadores, irmãos, e tende cuidado, segundo o exemplo que tendes em nós, pelos que assim andam” (Fp 3.17). Isso apenas para ficar nesses exemplos. O pastor não é um super crente, mas deve ser alguém que busca viver com radicalidade e paixão o seu seguimento de Cristo acima da média de seus irmãos. Por isso o apóstolo Paulo pede ao jovem pastor de Timóteo e aos presbíteros em geral que tenham muita atenção com a própria vida espiritual: “Medita estas coisas; ocupa-te nelas, para que o teu aproveitamento seja manifesto a todos” (1 Tm 4.15); “Olhai, pois, por vós, e por todo o rebanho sobre que o Espírito Santo vos constituiu bispos, para apascentardes a igreja de Deus, que ele resgatou com seu próprio sangue” (At 20.28). E por que razão os pastores devem dar a maior atenção para a sua vida com Cristo e a sua identidade espiritual? Devido exatamente sua identidade funcional. Um pastor só tem utilidade à sua igreja e à sociedade como um todo se um for um especialista dedicado a oração e à Palavra. Essas duas atividades são o cerne de seu ministério e delas decorrem toda as outras ações pastorais. O pastor é aquele que como sacerdote deve comparecer muitas vezes e por muito tempo na presença de Deus em favor do povo a quem ele serve. Deve interceder, pelejar em oração, apresentar em forma de súplicas, clamores e lágrimas as demandas de seus irmãos e filhos espirituais. A oração é a fonte de sua vitalidade, é donde emana o poder para a sua pregação, a elasticidade para a sua longanimidade e paciência e bem como a abundância de amor e misericórdia que deve demonstrar em nome de Cristo, de quem é representante entre os homens. Também deve dedicar-se a Palavra, na condição de profeta. Deve investir tempo de qualidade em leitura, meditação, estudo, acurada exegese, uma fiel hermenêutica do texto Bíblico. Deve dominar as sutilezas e a complexidade da doutrina, ser capaz de identificar e combater erros e heresias. Não pode ignorar o espírito de sua época, as nuances culturais e filosóficas, se quer mesmo entender os homens de seu tempo e conseguir estabelecer conexão e diálogo frutífero com eles. Oração e Palavra são as funções do pastor que servirão de grande utilidade para o rebanho. Pois, a oração eleva a mente e o coração do pastor acima das trivialidades, do pragmatismo, do minimalismo ético e moral e do utilitarismo coisificante do mundo. A Palavra fornece o substrato intelectual, moral e espiritual que nos faz enxergar a verdade de todas as coisas e refletir e a pensar a nossa existência em relação à vontade de Deus. Uma falsa expectativa da igreja desejando um pastor administrador, animador de palco, promotor de entretenimento, psicólogo ou curandeiro certamente também contribuem e muito para o descrédito do ministério pastoral. Em última palavra, os pastores são úteis quando ensinam pela vida, pelo exemplo e por palavras como amar a Deus e pensar e agir em nossas vidas do modo que agrade ao Senhor.
Reverendo Luiz Fernando, por misericórdia de Deus, é Ministro do Evangelho na Igreja Presbiteriana Central de Itapira.
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