Um dos exercícios mais importantes ao celebrarmos os quinhentos anos da Reforma Protestante é o de recuperarmos a história. Precisamos revisitar o passado e resgatar os valores e os princípios que conduziram aqueles eventos. Esse processo pode ser chamado também de ‘refontanização’ do protestantismo, isto é, voltar as fontes do movimento iniciado por Martin Luther. Penso não ser exagero dizer que o protestantismo de maneira geral passa por uma crise de identidade e em muitos contextos, até mesmo de relevância. As muitas degenerações sofridas ao longo do tempo e a perda do senso do moto: “Semper Reformanda”, fez com que o protestantismo se diluísse num mar de subjetivismo bíblico, doutrinário e ideológico. Valeria a pena perguntar contra o quê protestam os protestantes do século XXI? Protestar não significa rebelar, reclamar, levantar-se contra as autoridades constituídas, pura e simplesmente. Protestar significa reivindicar a integridade ou verdade de alguma coisa ou de algum fato, significa levantar-se contra um desvio ou o falseamento de algo. No caso dos protestantes, para melhor situar, o caso de Martin Luther, o protesto era contra os desvios da Igreja em relação à integridade do Evangelho de Cristo. O que estava sob a mesa para o debate não era em primeiro lugar a estrutura ou política da Igreja, nem a sua governança. A pauta era toda governada quanto ao vilipêndio sofrido pelo Evangelho ao privilegiar as obras em detrimento da fé, o mérito humano sobre a graça, a tradição sobre as Escrituras. Contra essas coisas os reformadores em geral ergueram a sua voz. À luz dessas coisas fica fácil compreender que os reformadores nunca quiseram ou deixaram na verdade, de serem católicos. Não foi contra o substantivo “católico” que eles protestaram, mas contra o adjetivo “romano”. Os que acusam as igrejas protestantes por causa de sua divisão em mais de trinta e seis mil denominações (sem contar as igrejas independentes), acusando-a de cisma, tem certa razão em fazê-lo. De fato, uma das consequências nefastas da Reforma Protestante foi mesmo a divisão da Igreja e contra esse fato não há defesa. Contudo, o que não faltam são as atenuantes para esse erro. Mesmo porquê essa divisão não é unilateral. Absolutamente. A sede de poder, os interesses políticos e financeiros e outros pecados inomináveis dos católicos romanos, sobretudo dos Papas que antecederam a reforma e aqueles que a sucederam, bem como o esvaziamento pastoral do ministério dos bispos que se viam a si mesmos como príncipes a quem todos deviam curvar-se e não servos que deveriam lavar os pés aos discípulos e etc. Tudo isso também contribuiu para que portas para o diálogo jamais fossem abertas para fazer transitar a verdade, de ambos os lados. Todavia, os “romanistas” deturparam a noção de catolicidade confundindo-a com a unidade em torno do Papa, com profundos prejuízos para a verdade. Ainda hoje a Igreja Católica Romana defende essa postura, basta ler o documento Dominus Iesus, da Congregação para a Doutrina da Fé de 06 de agosto de 2000 assinado pelo então Cardeal Ratzinger, que seria mais tarde o Papa Bento XVI. A ala da igreja que se separou de Roma continuou católica e entendeu essa catolicidade, sobretudo, em termos de diversidade e pluralidade de comunidades interpretativas das Escrituras em matérias secundárias e terciárias da fé, conquanto o fulcro do credo apostólico, verdades portanto, inegociáveis do Evangelho, sejam preservadas intactas. O preço a se pagar, além desse da doentia e sim, maléfica realidade das quase incontáveis denominações, é a impossibilidade de uma unidade mais historicamente verificável. Contudo, no gene do protestantismo, dos insights de Luther, encontramos o seguinte princípio: “A verdade a qualquer preço, a unidade se possível”. A verdade deve ser o critério que valida a unidade e não o contrário. Depois de quinhentos anos temos ainda um longo caminho a percorrer, nós Católicos Protestantes precisamos reformar e renovar o nosso Protestantismo Católico. Mais preocupantes para o testemunho do Evangelho e a glória de Cristo são os pecados, enganos, erros e fraudes que se encontram em nossa ala “Evangélica” do que aqueles que eventualmente ocorram do lado “Romano”. Reivindiquemos a integridade do Evangelho em nosso meio. Martin Luther não fundou uma outra Igreja. Isso não é possível, só Cristo o pode fazê-lo. Ninguém pode colocar outro fundamento: “Porque ninguém pode colocar outro alicerce além do que já está posto, que é Jesus Cristo” (1 Co 3.11). O que houve foi uma sofrida separação, e peço a Deus que seja temporária e apenas no plano da história e que o Senhor nos purifique e cure a todos. Rogo para que esteja perto a realização da promessa do Senhor: “Tenho outras ovelhas que não são deste aprisco. É necessário que eu as conduza também. Elas ouvirão a minha voz, e haverá um só rebanho e um só pastor” (Jo 10.16).
Reverendo Luiz Fernando é Ministro da Palavra na Igreja Presbiteriana Central de Itapira.
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