Algumas palavras no vocabulário bíblico e teológico, com o passar do tempo, seja pelo desuso, seja pelo uso equivocado ou por evolução natural da língua, vai perdendo parte do seu sentido original, deixa de ser compreendida ou até desaparece. Purificação é uma dessas, ao lado de mortificação, justificação, propiciação, etc. No que diz respeito ao tempo em preparação para a Páscoa, a purificação ocupa um lugar especial no linguajar bíblico e na espiritualidade desta estação litúrgica. Já no Antigo Testamento havia a necessidade de que todo o povo estivesse limpo e livre da sujidade e mácula do pecado. Os muitos banhos rituais, a abstenção de certos alimentos, a temporária suspensão do ato sexual entre os cônjuges e também o desprezo (isto é, jogar fora), por certos elementos. No que diz respeito a Páscoa propriamente dita, o elemento a ser desprezado como sinal de purificação era o fermento: “Não comam nada fermentado. Onde quer que morarem, comam apenas pão sem fermento" (Êx 12.20). “Comam pão sem fermento durante os sete dias; não haja nada fermentado entre vocês, nem fermento algum dentro do seu território” (Êx 13.7). O apóstolo Paulo também faz essa alusão à necessidade de pureza para a celebração da Páscoa: “O orgulho de vocês não é bom. Vocês não sabem que um pouco de fermento faz toda a massa ficar fermentada? Livrem-se do fermento velho, para que sejam massa nova e sem fermento, como realmente são. Pois Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi sacrificado. Por isso, celebremos a festa, não com o fermento velho, nem com o fermento da maldade e da perversidade, mas com os pães sem fermento da sinceridade e da verdade” (1 Co 5.6-8). Esse princípio espiritual geral se aplica perfeitamente às exigências de uma boa observância da prática de preparar-se para a festa do Cordeiro Imolado e Ressurreto. Temos grande necessidade de pureza, de ter um coração purificado. Vivemos numa sociedade pornocultural, que transforma o que é vil em celebração: “Os perversos andam por toda parte, quando aquilo que não presta é exaltado entre os filhos dos homens” (Sl 12.8). Talvez isto explique porque programas como Big Brother, as telenovelas, os filmes hollywoodianos ou tupiniquins fazem tanto sucesso, quando apelam para as paixões mais baixas e os instintos mais egoístas que militam em nosso coração. Somos formados dentro de forças culturais dominantes presentes nas artes, nas escolas, na universidade que são ‘filotransgressivas’ por natureza. Isto significa que quebrar a Aliança, distorcer o direito, amplificar a fealdade do pecado a ponto de exigir como um ‘direito’ pessoal e comunitário, o que é contrário ao Evangelho e a Santidade de Deus, colocando-os sob a tutela do Estado. Dentro desse contexto, somos atacados o tempo todo com imagens, mensagens, ideias, estilos de vida, propostas de felicidade que encontram eco e guarida em nosso coração que ainda possui restos de nossa natureza caída e, por vezes, nosso linguajar, nossos costumes e o nosso procedimento são tão mundanizados, tão diferentes e distantes daquilo que Jesus Cristo nos ensinou e para o que nos salvou. Purificação tem a ver com santificação. E, tanto uma como outra não são opções em um cardápio, antes: “A vontade de Deus é que vocês sejam santificados: abstenham-se da imoralidade sexual” (1 Ts 4.3), é a vontade de Deus que sejamos puros: “Lance fora o seu ídolo em forma de bezerro, ó Samaria! A minha ira se acende contra eles. Até quando serão incapazes de pureza?” (Oséias 8.5). “Fuja dos desejos malignos da juventude e siga a justiça, a fé, o amor e a paz, juntamente com os que, de coração puro, invocam o Senhor” (2 Tm 2.22). “Bem-aventurados os puros de coração, pois verão a Deus” (Mt 5.8). Esses são alguns exemplos bíblicos que demonstram o amor de Deus pela pureza, por corações puros. Ainda que somente o Espírito Santo possa promover uma verdadeira assepsia moral e espiritual no crente, a manutenção deste estado de pureza exigirá a corroboração do cristão. A esta corroboração damos o nome de purificação. O cristão purifica-se quando faz uma aliança com os seus olhos para não contemplar o que é mal. Está sob o controle do crente o negar-se a pornografia, ouvir e falar palavras frívolas e de baixo calão. Está no poder no discípulo evitar as más companhias, aqueles que corrompem os bons costumes. Isto não significa o apartamento radical dos descrentes, mas em não se permitir o folgar e regozijar nas mesmas coisas que eles. Depende do crente não espalhar notícias falsas, participar ou publicizar teorias conspiratórias. Está no alcance do cristão não dar ocasião, apoio, ‘ibope’ a programas, produções artísticas ou culturais que promovam desvalores e a violação da Lei Moral. Carecemos de pureza para alcançarmos a verdadeira paz, a verdadeira sanidade. Sem pureza, não há felicidade, não para o cristão.
Reverendo Luiz Fernando é Ministro da Palavra na Igreja Presbiteriana Central de Itapira
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