A igreja de Cristo sempre enfrentou crises, passou por perseguições, conviveu com líderes erráticos, travou batalhas com os hereges e, durante algum tempo, perdeu um certo grau de discernimento e acabou abraçando algumas perniciosas heresias. Mas o Espírito Santo promoveu, sempre à luz da Palavra, períodos de purificação e santificação, conservando em primeiro lugar a verdade de Deus acessível a todos os homens pela preservação da Bíblia. Depois, conservou na igreja em todas as épocas um grupo, ainda que pequeno, de homens e mulheres que cultivaram a piedade, uma vida de santidade e obediência a Deus mediante o conhecimento do Evangelho. E todas as vezes que a igreja se tornou fraca, passou por períodos de confusão e viu-se incapaz de impactar o mundo com a sua mensagem, essas vezes estão profundamente relacionadas com a perda de sua identidade e a falta de apreço dos crentes por ela e não necessariamente pelos ataques do mundo. Nesses dias estranhos em que a igreja está assumindo vários papéis, como o legitimar a sua presença na sociedade assemelhando-se a uma ONG, a uma prestadora de serviços sociais e no pior cenário, um ‘bunker’ para abrigar ideologias políticas e seus celerados de plantão, estamos passando, em muitos ambientes, um período de desclesiologização da igreja. Além dos papéis já assumidos mencionados aqui, não posso deixar de falar na assimilação cultural que transforma a comunidade dos discípulos em consumidores de entretenimento numa liturgia de cafeteria, nos moldes do ‘Starbucks’, sem transcendência, sem profundidade nas relações, com o objetivo apenas se servir ao gosto do freguês. E, claro, sempre há público, demanda, um nicho para ser explorado. Essa assimilação cultural abriga as mais variadas ideias sobre o que é a igreja ou como ela deve ser. Ela não deve sequer parecer com uma igreja. Há todo um conceito espacial e estético para fazer com que o templo que abriga os adoradores seja, a todo custo, simpático, atrativo, acolhedor e nada intimidador para com os de fora. Um ambiente com o qual estejam acostumados. Essa dissemelhança tem a ver com a comunicação e a liturgia. Os ambientes precisam se parecer mais com um teatro e a comunicação com um show de stand-up. Assim, ninguém ficará desconcertado com um ambiente, uma estética e uma comunicação que não possua relação com o seu dia a dia. Evidentemente que não estou canonizando e nem defendendo um tipo específico de templo, liturgia e comunicação. Mas, seguramente, há uma maneira de fazer as coisas que nos tira de nossa percepção horizontalizada da vida e nos remete à contemplação das coisas mais sublimes; aqui, a estética, a arte, a linguagem e a liturgia têm muito a oferecer. Mas estas questões não estão exatamente no centro, são um pouco mais secundárias, embora importantes. Contudo, precisamos redescobrir o real valor da igreja para a nossa vida de seguidores de Jesus. A Bíblia apresenta algumas imagens interessantes sobre o que é a igreja e qual o seu valor. Ela é descrita como lavoura de Deus e Edificação (1 Co 3.9), Nação Santa, povo de sacerdotes, profetas e reis (1Pe 2.9), Rebanho do Senhor (Lc 12.32), Coluna e baluarte da Verdade (1Tm 3.15) e a que eu mais gosto, Noiva, Esposa do Cordeiro (Ap 19.7; 21.9). Cada uma dessas imagens necessitaria de um artigo especialmente dedicado às suas peculiaridades e o que elas tencionam comunicar. Mas não é este o meu desejo aqui. Desejo apresentar em linhas gerais como a nossa tradição reformada valoriza a igreja e, quem sabe, modificar o nosso olhar e os nossos sentimentos por ela. Calvino mantém um elevado conceito sobre a igreja: “Se não preferimos a igreja a todos os demais objetos de nosso interesse, somos indignos de sermos contados entre seus membros...à parte da igreja, há pouca esperança para o perdão dos pecados ou a salvação. É sempre desastroso abandonar a igreja...a Igreja é o berçário da piedade...não ouse chamar a de Deus de Pai quem não tem a igreja por mãe”. A igreja é a oficina do Espírito Santo, é o ambiente que nos capacita, pela Palavra, a viver de maneira digna do céu, nesta vida e neste mundo. Na igreja recebemos instrução para nos relacionar corretamente com Deus, em obediência, amor e adoração e com o nosso semelhante, em serviço, no bem comum e no amor. A igreja é o lugar para confrontar e sermos confrontados em nosso orgulho, em nosso senso caído de justiça própria e de autopiedade. Na igreja aprendemos que Deus odeia o orgulho (Pv 6.16-17) e que o orgulho foi o primeiro inimigo de Deus. Foi o primeiro pecado no paraíso, será o último que deixaremos na terra e teremos que lutar contra ele em nós e suportar os dos outros, por amor, como Igreja. Só a igreja oferece este espaço e esta possibilidade. O mundo ama e incentiva o orgulho e depois destrói o orgulhoso. Os que sendo ou tendo participado um dia da igreja, afastando-se ou ainda dentro dela, a maldizem, julgam temerariamente os seus membros e se sentem mais justos e mais santos que estes, seguramente usurpam para si o papel daquele que é o acusador dos irmãos (Ap 12.10). A igreja não é perfeita, ainda, mas será um dia. Os que estão em Cristo, estão na igreja (ainda que nem todos que estão na igreja estejam de fato em Cristo), esse foi o propósito de sua cruz. Os que Cristo preserva, perseveram na Igreja, na expectativa de verem a si mesmos transfigurados em glória. Ame a igreja. Valorize-a o quanto puder. Investigue, e verá como Cristo lidou e lida com ela, ainda agora.
Reverendo Luiz Fernando é Ministro da Palavra na Igreja Presbiteriana Central de Itapira.
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