Ao comemorarmos os quinhentos anos da Reforma Protestante nesse trinta e um de outubro, uma pergunta resta a ser enfrentada: O que tornou possível o sucesso deste evento? Lendo friamente a história dentro da história, os fatores puramente eclesiásticos (Roma e seu poderio político e econômico) e seus atores reformadores não seriam o bastante. No que diz respeito aos homens que protagonizaram a Reforma, por mais que provoque o nosso espírito ufanista e triunfalista, Lutero e Calvino para citar apenas esses, não eram exatamente homens extra série. Lutero era um inexpressivo e problemático monge agostiniano. Um professor de Teologia mediano e um homem dado a destemperos e excessos. Calvino, por sua vez, não chamava muito a atenção. Excessivamente tímido, introspectivo e melancólico. Talvez fosse notado por sua saúde frágil. Quando comparado com os intelectuais de sua época, notadamente os que frequentavam a Universidade de Paris, Calvino era só mais um entre os seus iguais. No tocante ao movimento reformador, esse nunca possuiu uma agenda única e previamente estabelecida. Não havia um órgão supervisor e regulador. Nenhum programa foi seguido. Martinho Lutero, Calvino e Zwinglio, os mais conhecidos do público em geral, nem mesmo concordavam entre si. Aspectos importantes da liturgia, governo eclesiástico, sacramentos e relacionamento com o Estado jamais obtiveram consenso. Divergiram seriamente, ainda que mais em ênfase do que em substância, no que diz respeito à delicada e essencial doutrina da justificação. Os contextos também eram diferentes o que proporcionou níveis diferentes de reformas e resultados finais. Alemanha, Suíça e seus cantões, França, Países Baixos e Reino Unidos seguiram caminhos e estratégias diferentes durante o processo de Reforma. Então, o que de fato tornou possível a Reforma Protestante e o seu incrível sucesso? Arrisco aqui algumas respostas, não exaustivas evidentemente, mas que podem servir de base para uma pesquisa mais aprofundada pelo leitor. 1. A reforma foi um sucesso porque Deus é o maior interessado no bem-estar de sua igreja. Porque o Senhor é o mais interessado em purificar a sua noiva e dar-lhe um padrão segundo a sua vontade revelada nas Escrituras. Lutero e seus companheiros foram levantados por Deus com essa especial vocação reformadora. Como simples instrumentos, nada nunca dependeu realmente de seus predicados pessoais ou se revelou invencivelmente uma dificuldade para a obra, absolutamente. Quis o Senhor da Igreja dotar esses seus servos dos dons que seriam empregados na obra e agir por meio deles. Desde logo identificamos ser a vontade soberana de Deus o selo de garantia que conferiu poder aos atos humanos dos reformadores. 2. Se os Reformadores possuíam graus de intelectualidade diferentes e alguma incompatibilidade de gênio e inconsistência psicológica, uma coisa, porém eles sempre tiverem em comum, paixão pela glória de Cristo. Ancorados na graça de Deus que a todos supre, Lutero, Calvino e os demais, foram capacitados a sacrificar a vaidade pessoal, a busca de reconhecimento e glória humana e qualquer outra distinção meritória para que somente Cristo recebesse toda a glória e magnificência. O amor deles por Cristo era tal, que prefeririam morrer mil vidas a viver um só segundo usurpando a glória a Cristo somente devida. 3. Pelos caminhos da diversidade na catolicidade da igreja na pluralidade de contextos, os Reformadores reconheceram e amaram a única e indivisível Igreja de Cristo. Amaram não a estrutura e organização ou os seus bens e as suas benesses humanas, não. Amaram as pedras vivas, os santos e santas de Deus de carne e osso com quem conviviam que lhes foram confiados para serem dirigidos e alimentados pela Palavra da Vida. Os Reformadores se entendiam como pastores do povo de Deus cuja função primária e mais essencial era, guiar, alimentar e proteger o rebanho nas estradas do mundo enquanto caminhavam juntos para o céu. Por isso tanto zelo no cuidado, tanto esmero na pregação e no ensino e tanto sofrimento tiverem que suportar dos lobos que rondavam a boa grei. 4. Um último pensamento sobre as causas desse sucesso. A visão de mundo como o palco onde Deus desfila a sua glória e o contexto necessário para a Igreja testemunhar e servir a Cristo entre os homens como sinal, já e ainda não, do Reino definitivo e seus valores. A consciência de que o mundo é o melhor lugar para a Igreja ir. Que o mundo e a suas mazelas é a grande oportunidade para a Igreja realizar-se e cumprir o seu propósito missional. Quinhentos anos depois, esta comemoração deve desafiar-nos e reviver no coração cada uma dessas causas que levaram a Reforma ao sucesso e que certamente nos farão ver dias de vitória e triunfo na causa de Cristo. Senhor, eis-nos aqui, envia-nos!
Reverendo Luiz Fernando é Ministro da Palavra da Igreja Presbiteriana Central de Itapira
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