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23/03/2014 | Nino Marcati: O eterno capitão Bellini

 

Não tive a honra de ver o grande capitão Bellini em ação. Quando fui despertado para o futebol ele já estava em fim de carreira e era um tempo em que eu tinha olhos só para o meu Santos FC, cujos jogos eu acompanhava, em videotape, na casa do meu amigo, também santista, João. Tempos mais tarde descobri uma ligação forte com o craque itapirense.

Eu não tinha mais do que nove anos de idade quando ganhei do meu pai uma camisa do São Paulo FC. Eu adorava aquela camisa. Sempre que saía com ela, alguém me perguntava se eu era sãopaulino. Eu não entendia o que eles falavam, mas percebia que aquele dese­nho tricolor no peito era importante para muita gente. Logo, aquela camisa me fazia sentir importante também. “Por que eu não virei sãopaulino? Sei lá! Acho que com o Santos foi amor à primeira vista.”

Por volta dos 20 anos de idade, me deparei com a seguinte questão: meu pai não era chegado ao futebol, nunca me levou a um estádio para assistir qualquer jogo que fosse. Dizia torcer pelo Palmeiras, mas reconhecia que era em respeito ao pai dele e aos Marcatis, alviverdes da cabeça aos pés. Pois bem! Se meu pai não acompanhava aos jogos de futebol, nem ao vivo, nem pelo rádio ou jornais, talvez só pelo Canal 100 nos poucos minutos que os cinemas da época apresentavam compulsoriamente, o que teria levado meu pai a me presentear com uma camisa de futebol, ainda por cima, do São Paulo e não do Palmeiras?

Seu Geraldo era dotado de impressionante sabedoria – que demorei a descobrir, diga-se – mas que ele devotou, a meu ver, à construção da minha visão de mundo. Muitos gestos dele acabaram se transformando em enigmas, que ao passar do tempo, gradativa­mente, ainda tento desvendá-las. Esse da camisa do São Paulo, por exemplo, só compreendi nos anos oitenta, quando me aprofundei na carreira do capitão Bellini, já que naquela altura do campeonato, o sobrenome Bellini já era familiar. Conclui, então, que meu pai, que não era dado a comprar roupas para mim, função exclusiva da minha mãe, escolheu me dar a tal camisa para homenagear o grande capitão, na época ele defendia o São Paulo FC. Mas como ele não tinha ações únicas e se intitulava palmeirense, à moda dele, depreendi que ele aproveitou a oportunidade para me ensinar algo mais: que nada deve ser obstáculo para reconhecer as qualidades dos que as têm, mesmo que sejam adversários. Ele me fez aprender que eventuais ou definitivas preferências futebolistas, partidárias, religiosas, culturais, sociais etc. jamais devem ser agentes de cegueira.

Comecei a admirar o capitão Bellini, ainda mais, não por ser ele um itapirense da gema, mas por um gesto de união praticado na Copa de 1962, no Chile. Aymoré Moreira, o técnico, quando informou ao jogador Mauro que apesar dele ser o melhor para a posição e estar treinando mais que todos, a titularidade continuaria com Bellini. Mauro, prevendo que aquela copa seria a última da carreira dele, entornou o caldo e disparou: “se não for para jogar, eu prefiro voltar para o Brasil”. Aymoré, surpreendido, não titubeou: “era o que espe­rávamos ouvir, Mauro. O titular será você. E será também o capitão.” Com isso, Bellini foi para a reserva. Nisso, quando todo mundo espe­rava pela crise, achando que Bellini rodaria a baiana e exigiria o que era dele por direito, se não fosse atendido, o time partiria rachado e adeus bicampeonato. Para surpresa geral, ao tomar conhecimento da decisão, sem se apoquentar, Bellini vaticinou serenamente: “É justo. Agora é o Mauro.” Um gesto que acabou unindo ainda mais a equipe. O resto da história, todo mundo já sabe.

Com essa reflexão, espero, sinceramente, que a memória do grande capitão Bellini tome conta de todos os conterrâneos vivos, para que não valorizem apenas a habilidade futebolista, que foi passageira, mas, sobretudo, a serenidade e o espírito cooperativo que ele carregou até os últimos dias de vida e que ficarão marcados eternamente. Uma memória que deve ser pautada na união, jamais usada para dividir ninguém, muito menos os itapirenses.

Fonte: Nino Marcati

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