A maioria dos nascidos entre os anos vinte e os anos setenta do século passado (comigo nessa fita) manifesta, sempre que o assunto entra na baila, total inconformismo pelo fim do carnaval de salão, do jeito como ele acontecia. Somos convictos, o carnaval de hoje em dia não tem a menor graça.
Saudosos, tentamos buscar culpados ou explicações, reação típica do sentimento de perda. Nada mais humano, nada mais conservador. Mais que justo tentar reviver, hipoteticamente, os tempos que não voltam mais. Mas não deixamos barato. Reagimos - quase todos - rejeitando tudo aquilo que se apresentasse como carnaval dos novos tempos. Carnaval! E isso é carnaval? Reconheçamos - ativos ou passivamente - integramos o bloco dos viúvos e das viúvas do carnaval das marchinhas e companhia. Mas consegui extirpar o luto.
Carnaval é cultura. Cultura popular que se transforma e se adéqua às gerações, naturalmente. Atende, inclusive, aos interesses econômicos. Entendi que a nossa reação de inconformismo e negação, mesmo velados – falo por mim e por aqueles com quem converso sobre o tema – não é muito diferente dos que viveram outras transições. Será que o povo que curtia as brincadeiras de jogar água suja (e fedida), atirar ovos, espalhar farinha, pulverizar águas de cheiro ou coloridas aceitaram passivamente as intervenções e as mudanças? Mudanças que ocorreram nos últimos três séculos. Se voltarmos às origens, à Grécia, quanta coisa mudou. Enfim, o que eu quero dizer é que o carnaval é mutante, cuja irreverência é exatamente esta, mandar às favas as tradições. Logo, compreendi que querer resgatar o carnaval de outrora só serve para alimentar a nostalgia. E digo mais, nessa reação, incluímos, talvez, a pretensão em achar que o nosso carnaval tinha chegado ao ápice e que dali para frente nada novo deveria ser incorporado sem a nossa aprovação. Sei não, mas acho que seguramos, mais do que devíamos, a evolução dessa grande festa.
É fato que a alegria do carnaval continua latente. Vivemos a transição. Certamente, mais cedo ou mais tarde, cada região, cada cidade, encontrará o seu jeito de brincar o carnaval ativamente, não do jeito que era, mas com a mesma exuberância, participação e envolvimento, abraçando todas as gerações. É inegável que os viúvos a que me refiro - e me incluo - largaram a fantasia e deixaram que a molecada tomasse conta, sozinhos. Esse foi, a meu ver, o nosso erro, pensamos assim: já que não é do jeito que a gente quer...
Sem dúvida, essa é a transição mais doída e demorada. Passamos por um processo de consolidação democrática, instauração da liberdade de expressão, ativismos emancipatórios com liberação sexual, revolução dos costumes e avanços tecnológicos fenomenais. Com tantas mudanças, o preço tinha que ser alto!
Concebi, finalmente, que o apego ao passado, de forma exacerbada e exigente, apenas nos serve como válvula de desvio da realidade, onde podemos trancar e retardar a entrada de novas ideias, de novos costumes, de novas alegrias... E o que é pior, nos levar, por conta disso, à depressão coletiva achando que o mundo está cada vez pior e a valorizar mais as notícias ruins. Sinceramente, tem coisa mais “broxante” do que essa expectativa de futuro para quem está com o pé na estrada?
O passado, enfim, deve ser valorizado como história e como referência para a construção do futuro, sem interferir na liberdade ou impedir que a cultura (a vida) nos carregue.
Comentários, artigos e outras opiniões de colaboradores e articulistas não refletem necessariamente o pensamento do site, sendo de única e total responsabilidade de seus autores.