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29/06/2014 | Nino Marcati: Pra sogra que partiu!

 

O anedotário nacional é carregado de frases, piadas e músicas satíricas classificando as sogras como megeras. Antigamente, as sogras e as madrastas eram colocadas no mesmo pé. As sogras ganhavam jocosidade, as madrastas, maldade. Com a profusão dos descasamentos, as madrastas se avolumaram e a malignidade difundida foi reduzida. As sogras continuam vítimas do estereótipo construído.
 
Completou uma semana que a minha sogra foi desta, torço e espero, para a melhor. Ninguém lançou mão das brincadeiras ou me chamou de sortudo. Ainda bem! Senão ouviria de mim, um rosário de contestação.
 
Dona Elvira era um caso a parte. Nunca se revelou - posso afiançar - na fama que recai sobre as mães da outra metade do casamento. Eu diria, ainda, que ela granjeou tanta simpatia entre genros e nora que os que se apartaram, com as separações, continuaram mantendo, com ela, um relacionamento acima do que mandava a boa educação. Um deles a visitava para verificar a taxa de glicose. Outra continuou lhe fazendo o supermercado e administrando as contas de água, luz, iptu... Não me parece que existam tantas sogras neste mundo que possam ostentar tais delicadezas, além dos divórcios.
 
Pessoa simples, raramente saia de casa, Elvira era visitada pelas amigas da rua onde ela morava - a vinte e quatro de outubro - ou de outras paragens, rotineiramente. Dos gostosos bate-papos, dos cafés, ela abstraia os acontecimentos da cidade inteira. Pouco estudada - mal deve ter concluído o antigo primário - era dotada de uma inteligência rara e de percepção aguçadíssima. Pegava as ideias rapidamente e quando o assunto fugia-lhe a compressão, sem muita delonga esclarecia: “isso eu não sei, não”. Saber que não sabe, é prova de sabedoria.
 
Mantinha-se informada através da televisão e das leituras habituais. Estava sempre atenta ao noticiário exótico, às informações sobre as intempéries do tempo ou às estradas mais perigosas, informação que ela guardava e nos alertava antes de eventuais viagens.
 
Dona Elvira nasceu católica, foi catequista e lia a Bíblia Sagrada com regularidade. Casou-se com um espírita, assistia aos programas evangélicos pela televisão e não deixava de ler nenhuma revista ou livro fornecidos pela vizinha associada às Testemunhas de Jeová. Uma sogra ecumênica. Respeitava todos os credos.
 
Mas o que mais me ligava à minha sogra era o senso de humor peculiar diferenciado, sempre presente. Ela apenas disfarçava ser séria e brava. Por isso, não posso negar. Eu a provocava todas as vezes que nos encontrávamos e ela respondia com muita graça, ora com ranzinzice, ora entrando consciente e brincalhona na provocação. Eu brincava tanto com ela, que de vez em quando ao receber ligações de engano que ela pensava serem trotes – e às vezes eram - ela lançava desconfiança sobre mim ou sobre os netos. Situações que viravam histórias engraçadas, contadas por ela, que tanto nos divertiam.
 
Sempre que a gente se reunia, ela era o centro das atenções. Ela sabia, como ninguém, dar graça às histórias que ela mesma vivia, com ou sem o falecido marido ou com as pessoas que ela conhecia. As gargalhadas estouravam. Os almoços de fim de ano, dia das mães, páscoa e outras datas importantes começava de manhã e terminava no meio da noite. Sempre no mesmo tom.
 
Dona Elvira, apesar da idade avançada e da saúde frágil, da dificuldade de locomoção, do diabetes avançado, da pressão que requeria controle, jamais reclamava, jamais transformava as conversas ao vivo ou telefônicas em um muro das lamentações. Muito pelo contrário. Os netos adoravam rodeá-la.
 
A minha sogra não era perfeita e talvez tenha sido essa imperfeição que a levou antes do tempo. Ela não gostava de visitar médicos, não seguia os tratamentos como devia e detestava a ideia de ter que ir para um hospital. Só foi quando não tinha forças para reagir. Mas pedia para que não a deixássemos entrevada em uma cama, preferia a morte, sempre com muita altivez e determinação. Quando foi internada, do hospital não mais voltou para a velha e querida casa.
 
A sogra que caiu do céu, na semana passada voltou de onde saiu. Mas ela continuará conosco, deixou um vasto repertório de histórias para que a gente continue contando, se divertindo e mantendo-a nas nossas reuniões. Lembranças eternas. A minha sogra gostava de ver o seu povo feliz e contribuiu como pode para que isso acontecesse.
Fonte: Nino Marcati

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