Depois de alguns meses de mobilizações e negociações, a Câmara Municipal aprovou o projeto de iniciativa popular que pedia aumento zero aos subsídios dos vereadores. Seria ingênuo achar que os servidores, cujas opiniões até poucos meses atrás consideravam aquelas mobilizações ora como “um movimento de jovens que não sabem o que querem”, ora como “questão partidária-eleitoreira”, agora reconheceram a legitimidade do movimento. Parece, à primeira vista, que a polêmica se resolveu porque muitos dos que constituem a Câmara não estarão na próxima gestão. Mas mesmo que essa seja a razão da aprovação, interpretar essa questão de tal modo é ignorar o que de principal ocorreu.
Independente do porquê o projeto popular ter sido aprovado, devemos reconhecer que tal mobilização não só fez certo barulho na rotina protocolar das decisões políticas, mas também exigiu que essas decisões fossem tomadas levando em conta a posição de um elemento novo, qual seja, a dos cidadãos. E aí está o cerne da questão. Devemos reconhecer que, de um modo ou de outro, esse grupo de pessoas chamou a atenção para o fato de que uma democracia só se efetiva plenamente em sua dimensão participativa, isto é, quando indivíduos ao sentirem que assuntos sobre a coisa pública também lhes dizem respeito, participam diretamente, reclamam para que tais assuntos sejam debatidos publicamente, apresentam um posicionamento e o defendem. E foi isso o que ocorreu: havia um descontentamento de muitas pessoas (não por acaso conseguiram três mil assinaturas), mas por alguma razão esses descontentamentos não vinham a público. Coube ao grupo de incomodados intervir, ter o trabalho de estar presente em sessões, distribuir panfletos, fazer carreata e realizar outras mobilizações barulhentas que não traziam lucro pra nenhum deles, mas diziam respeito à toda a coletividade. Coube a esse grupo representar os descontentamentos diversos que, a meu ver, não estavam circunscritos à questão do valor do subsídio de servidores – como agora a questão parece ser levada.
Não ignoro que, de fato, num momento ou noutro alguns jovens mais irreverentes exageraram em manifestações, pendendo a desrespeitos. Algumas palavras de ordem soaram esquerdismo sentimental de adolescência. Mas não devemos, devido a esses casos isolados, reduzir o barulho da mobilização a “ jovens que não sabem o que querem”, pois esse é também um modo de esvaziá-la tanto quanto reduzi-la a questões monetárias.
A meu ver, o barulho feito por essa mobilização me pareceu muito mais didática e frutífera do que o barulho feito, por exemplo, em tempos eleitorais por carros de som, pelas propagandas, pelos jingles de rimas previsíveis e outras práticas que são antes dispositivos midiático-comerciais do que política em sentido forte. O barulho dos jovens se difundiu entre outros jovens, fez com que atentassem para outras questões de ordem política, levou-os a entender melhor que o Estado ouve sim as demandas dos cidadãos. Além disso, a mobilização fez com que todos ali envolvidos reavaliassem, uns por pouco tempo outros por mais tempo, suas próprias opiniões a respeito do tema. Isso é uma experiência de cidadania. O barulho dos carros de som, aqui como em todo lugar, gerou alguns subempregos temporários, moveu a economia do marketing e não muito mais do que isso.
Paolo Colosso é arquiteto e formado em Filosofia pela Unicamp. Atualmente faz mestrado em Filosofia na USP. Contato: [email protected].
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