O que me traz aqui hoje é o objetivo de expor uma perspectiva sobre questões ligadas às mobilizações populares e ao possível Plebiscito, por meio de um diálogo crítico. Na realidade, é também um modo de expor um incômodo diante da maneira como um dos veículos de informação mais lidos no Brasil, a Revista Veja, interpreta acontecimentos das últimas semanas.
A seção Carta ao Leitor da revista é aberta com o título “ Plebiscito é Golpe”. O autor começa reconhecendo que de fato uma reforma política é necessária. Em seguida, para defender a opinião ( “plebiscito é golpe”), lança três argumentos: 1) “ninguém sensato” acha que a reforma política deve ser feita via consulta popular; 2) com o tema da reforma, o governo petista está tentando mudar de assunto, uma vez que os clamores das ruas pedem fim da corrupção; e 3) plebiscitos não devem “jogar nos ombros das pessoas as decisões sobre o funcionamento de coisas complexas”. As matérias nas páginas 65 e 66 vão na mesma linha, acrescentando pelo menos mais dois argumentos: consulta popular é uma forma de populismo, o financiamento público de campanha ( um dos pontos da Reforma, como proposta pela presidente)não é uma demanda popular, mas “é uma obsessão do PT”. Há outros argumentos, mas me detenho a estes, que me oponho frontalmente.
Contra o argumento 1, lembro que foi Joaquim Barbosa, o senhor que pelos quatro cantos do país é considerado justo e imparcial, quem lembrou em comunicação ao vivo que propostas de reforma política tramitam no Congresso há anos. E foi o próprio Barbosa quem se perguntou: “houve em algum momento demonstração de vontade política de levar adiante essas reformas?”( cf. entrevista em http://www.youtube.com/watch?v=xpys-8ro7U , mais especificamente nos minutos 25 e seguintes). O magistrado sinaliza, a meu ver, para pontos muito importantes. Há tempos a democracia brasileira, em sua versão representativa, está desgastada, há um enorme abismo entre as dinâmicas de cúpula e as demandas da sociedade. Isto tem como resultado cidadãos querendo participação em questões públicas, querendo retomar a construção do destino de seu país. Trocando em miúdos: a reforma política, um tema historicamente pendente, consensualmente necessário, precisa de forças externas aos quadros dirigentes para se efetivar. E essas forças só podem vir da sociedade civil, esta mesma que no ultimo mês vem se mostrando ativa, consciente e organizada para tanto.
Outro ponto. O plebiscito para reforma política, a meu ver, não distorce o grito pelo “fim da corrupção”. Ora, até crianças de onze anos sabem que no Brasil grandes empresas de construção civil, do agrobusiness e outros setores rentáveis financiam campanhas de todo e qualquer lado, sem fidelidade com princípios ou convicções. Estas verbas investidas em candidatos se transformam, obviamente, no modo como a iniciativa privada faz o poder público se vergar a ela, ou na pior das hipóteses, são a maneira como público e privado se imiscuem numa mesma lógica de funcionamento. Num financiamento público, por sua vez, as verbas não iriam diretamente para candidatos, mas iriam para um fundo público de recursos destinados às eleições, depois distribuídos proporcionalmente. Isto, a meu ver, desestimularia bastante as iniciativas dos que vêem o financiamento como um meio de barganha de favores, pois o retorno do que foi investido seria incerto. Vale lembrar que tal sistema talvez criasse problemas para partidos pequenos, por outro lado traria de volta – acredito eu em minha ingenuidade que quero preservar – a noção de que política precisa, além de verbas, de partidos com pautas bem definidas, procedimentos transparentes, capacidade de implementação e diálogo com cidadãos. Sob esta perspectiva, o financiamento para fundos públicos seria uma maneira de diminuir, pelo menos parcialmente, as ligações corrompidas entre setor público e setor privado.
Quanto ao argumento de que as questões sobre voto distrital ou proporcional são complexas demais para a população, algumas possibilidades: ou os autores supõem uma incapacidade da população em avaliar tais assuntos, ou supõem um desinteresse desta por buscar entender tais questões. Ou então crêem, tacitamente, que é melhor tais questões não saírem do controle das instituições dirigentes. Nesse sentido, digo que um plebiscito não é “ jogar no ombro da população uma decisão complexa”, tampouco uma forma de populismo. Pelo contrário, é uma saída que vê na população a possibilidade da construção coletiva de um sistema político efetivamente democrático, uma vez que os centros institucionais de decisões estão girando em falso.
Não é de meu perfil fazer defesas categóricas de governos petistas, tampouco o de Dilma Roussef. No entanto, é inevitável perceber que as matérias de Veja desta semana, além de muito infelizes, não tomam o distanciamento necessário para analisar questões com peso histórico. Sem tocar em pontos fundamentais, pelas páginas se entrevê algo em comum, quase um apego: deslegitimar iniciativas progressistas do Executivo Federal.
Paolo Colosso é arquiteto, tem graduação em Filosofia pela Unicamp. Atualmente faz mestrado em Filosofia pela USP.
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