Um dos assuntos mais comentados durante toda a semana, a entrada em vigor a partir da última quarta-feira, 03, de uma Emenda Constitucional que assegura aos trabalhadores domésticos igualdade de direitos com outras categorias profissionais, já provoca um efeito indesejado aqui na cidade. A reportagem de A Cidade consultou diversas famílias que empregam pessoas para a realização de tarefas caseiras e ouviu que boa parte delas pretende demitir seus empregados. “Nem tanto por causa da questão de pagar outros encargos, mas principalmente por causa de uma insegurança jurídica que a situação cria, achei melhor dispensar a minha empregada, ainda que isso tenha me causado uma profunda angústia interior”, comentou uma dona de casa que mora no bairro Santa Fé e que pediu anonimato. Ela disse que a empregada está na casa já há seis anos e tem carteira assinada.
A exemplo desta pessoa, outras afirmaram que estão tomando o mesmo caminho. De cinco donas de casa ouvidas pela reportagem do Jornal, duas não registravam suas empregadas. “Ela vinha dia sim, dia não e tinha uma rotina diária que não chegava a seis horas de trabalho. Nosso acerto era verbal e sempre foi cumprido com tudo o que ela (a empregada) exigia. Eu não tenho condições de arcar com todos estes custos. Achei melhor entrar num acordo e vou passar a contratar diaristas”, disse esta outra dona de casa, que mora no bairro dos Prados.
A empresária Sônia Paganini, primeira dama do município enxerga problemas neste novo tipo de relacionamento entre patroa e empregada. “Eu fico imaginando como será o controle das atividades domésticas no que se refere à questão do tempo de permanência no trabalho. Em casa eu tenho empregada, evidentemente com carteira assinada e garantindo todos os direitos dela. Confesso que será preciso ficar mais atenta à nova situação para que ela tenha garantido tudo o que a nova legislação prevê, preocupação esta que deverá ser de todas aquelas pessoas que têm empregada em casa”, vislumbrou.
Com a nova legislação, todas as domésticas passam a ter direito a 44 horas semanais de jornada de trabalho e o que passar disso se torna hora extra com 50% de majoração, percentual que sobe para 100% em domingos e feriados.
A legislação abrange também pessoas que cuidam de enfermos, idosos, babás e até jardineiros. Raquel Coutinho Martucci contou que tem uma rotina semanal de trabalho cuidando de idosos. De segunda a sexta-feira ela toma conta de um casal e aos finais de semana de uma idosa. Ela disse na quarta-feira que ainda não tinha sido procurada por nenhum dos patrões para esclarecimento do assunto. “Eu acho que até mesmo pela novidade e pela repercussão do assunto, as pessoas que me contrataram ainda estão tomando pé da situação. Mas é claro que a gente vai conversar para entrar em um acordo. Afinal os direitos estão assegurados em Lei”, entende.
A sindicalista Cristina Helena Gomes, do Sindicato dos Servidores e ativista de movimentos feministas enaltece aquilo que entende como um “grande avanço da sociedade” e acha normal que haja reações contrárias. “Esta adequação à Legislação era uma exigência da sociedade. Agora que ela foi conquistada vem gente com esta conversa de que vai causar desemprego e que o assunto tem que ser revisto. Eu sou a favor que se cumpra a Lei e ponto final”, opinou.
Mudanças
A advogada trabalhista Solange do Prado Batista Vieira, entende que a nova Legislação já provoca profundas mudanças na estrutura social do país. Ela avalia a medida como sendo “um avanço institucional, um marco nas relações do trabalho” e como tal acredita que seria inevitável gerar tanta discussão. “Os efeitos da nova legislação serão mais profundos do que realmente aparentam ser. Eu enxergo uma mudança de paradigma no seio das famílias. De repente os afazeres domésticos deverão ser distribuídos entre os vários membros das famílias que não quiserem arcar com o ônus de se ter uma empregada em casa. Não tem como negar que a nova legislação acarreta um ônus a mais para os empregadores domésticos, os quais, segundo uma consistente parcela da opinião pública entre os quais eu me incluo, deveriam ter um tratamento diferenciado, por exemplo, de empregadores cuja atividade vise o lucro. A tendência é a de que ocorra a partir de agora no Brasil um fenômeno que já é comum em países mais ricos e desenvolvidos, onde a contratação de empregado é algo mais acessível àquelas pessoas de maior poder aquisitivo. Acho que a nova legislação tende a aumentar a informalidade. A atividade de diarista deverá ganhar um impulso ainda maior”, discorreu.
Solange acredita que o número de ações trabalhistas envolvendo patroas e empregadas também deva crescer daqui para frente. Ela recomenda tanto aos empregadores, quanto aos empregados, que se cerquem de todos os cuidados para que seja registrado num livro ponto as atividades da empregada. Lembra que é necessário regulamentar questões como por exemplo, se dormir na casa da patroa dá direito a pagamento de horas extras. “Existem correntes favoráveis e desfavoráveis a este entendimento (de que deva ser pago hora extra)”, lembrou.
A advogada acredita que as reações negativas serão motivo de uma mobilização do próprio Congresso Nacional para oferecer condições necessárias que evitem um desemprego em massa. “Eles (os Parlamentares) foram com muita sede ao pote de depois perceberam que a Legislação aprovada onera muito o empregador. Já existe um movimento neste sentido dentro do próprio Congresso, para facilitar a vida também de quem emprega, reduzindo, por exemplo, alíquotas de contribuição e esclarecendo melhor estas questões da disponibilidade da empregada quando dorme na casa do patrão”. Solange enxerga ainda um problema adicional. “A falta de traquejo dos patrões para questões de escrituração fatalmente vai aumentar a demanda de serviços de escritório de contabilidade, o que, em tese, vai representar um gasto a mais para o empregador”, concluiu.
A pedido do Jornal A Cidade, Solange fez um resumo do que mudou nesta relação entre empregadores e empregados domésticos:
Foi publicada nesta última quarta feira dia 03/04 no Diário Oficial da União, a Emenda Constitucional 77, que iguala os direitos trabalhistas dos trabalhadores domésticos com os dos outros trabalhadores.
Novas Regras para trabalhadores Domésticos que já estão valendo:
- Garantia de salário nunca inferior ao salário mínimo,
- Proteção do salário na forma da Lei, constituindo crime sua retenção,
- jornada de trabalho de oito horas diárias e 44 horas semanais,
- Pagamento de horas extras, com adicional mínimo de 50% sobre a hora normal
- Redução de riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde e segurança
- Proibição de qualquer discriminação ao trabalhador deficiente
- Proibição do trabalho noturno perigoso ou insalubre a menores de 18 anos e de qualquer trabalho e a menores de 16 anos, exceto aprendizes
- Proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão por motivo de sexo, idade ou estado civil,
NOVAS REGRAS para trabalhadores domésticos que precisam de regulamentação:
- Proteção contra demissão arbitrária ou sem justa causa
- Seguro Desemprego
- FGTS (Fundo de Garantia por tempo de serviço)
- Adicional noturno
- Salário família
- Assistência gratuita a dependentes até cinco anos em creches e pré-escolas,
- Seguro contra acidentes de trabalho
Raquel: entendimento com os patrões
Cristina: Lei tem que ser cumprida
Solange: legislação vai criar novos hábitos