Os
políticos que foram barrados, nas eleições do ano passado, pela Justiça
Eleitoral, com base na Lei da Ficha Limpa, mas que, apesar disso, receberam
votação suficiente, poderão assumir as suas vagas, a qualquer momento. Eles
estão eufóricos. Muitos, talvez, rindo da cara da gente.
Eu
não fui candidato. Não tive o meu nome barrado. Nem recebi votação alguma. Não
tenho parente, amigo ou conhecido enquadrados nessa Lei. Mesmo assim, estou
feliz, também! Pois, prevaleceu o princípio da anterioridade. O ministro Luiz
Fux, recém empossado, foi perfeito: "O intuito da moralidade é de todo
louvável, mas estamos diante de uma questão técnica e jurídica de que se
aplicar no ano da eleição fere a Constituição."
A
Lei da Ficha Limpa, em vigor, tem ares saneadores. Poderá poupar-nos de ver as
caras, nas propagandas, das pessoas que deveriam estar em outro lugar: atrás
das grades. Mas confesso que na essência, não gostei dessa Lei - manifestei o
meu desgosto, aqui, noutra ocasião. Além dos vícios inconstitucionais que ela
tinha e continua oferecendo, vejo-a como interventora na evolução do processo
de escolha eleitoral, por parte do eleitor, e, por consequência, na
consolidação da democracia e da cidadania. É claro que não é nada agradável ver,
por exemplo, condenados por improbidade administrativa como candidatos às
eleições e a mais “maracutaias”. Pior do que isso é ver a maioria deles receber
a votação necessária. Para mim, é uma tutela que protege o efeito, mas não
ataca a causa. Pode dar aos candidatos não julgados ou aos que usaram
subterfúgios criminosos, porém encobridores, a pecha da “ficha-limpa”.
Precisamos, portanto, de faro. Desenvolvido, saberemos escolher melhor. Isso é
demorado, mas vale o velho ditado: “quem tem pressa, come cru”.
O
ministro Gilmar Mendes, ao justificar o voto, tocou num ponto delicado. Disse
que a idéia da Ficha Limpa talvez tenha escapado a muitos ditadores. Ele tem
razão. Ora, qual seria a melhor forma de acabar com os opositores, sem perder
os bons ares da democracia no cenário internacional? Impedir candidaturas - via
condenação colegiada - num tribunal conivente. As ditaduras, como se sabe,
fazem coisas piores.
Espera-se,
agora, a aplicação da Ficha Limpa nas eleições para prefeitos e vereadores do
próximo ano. Tenho dúvidas sobre a sua extensão. Estaria impedido de disputar o
candidato que tivesse sido condenado por um grupo de juízes, mesmo que
restassem outras instâncias recursais. Está certo? Não! Há outro principio
constitucional que só considera um cidadão culpado, em sentença definitiva, se
esgotadas todas as possibilidades. É o princípio da presunção da inocência. O
que prevalecerá: a Lei da Ficha Limpa ou o texto constitucional? Essa dúvida
levará à Justiça Eleitoral milhares de ações, dentre os quase quatrocentos mil
candidatos a prefeito e vereadores, esperados para 2012.
A
Lei da Ficha Limpa tem um lado que eu acho interessante. É a possibilidade que
ela oferece à imprensa de noticiar os barrados e fazer com que o eleitor fique
mais atento. Divulgação que pode constranger os candidatos abelhudos e, quem
sabe, persuadi-los a não se apresentarem ao pleito. Na última eleição poucos se
amedrontaram. O lado esdrúxulo é requerer, para o empecilho, resultados de uma
justiça morosa e leniente. Quanto tempo costuma levar um processo, envolvendo
políticos, para ter a primeira sentença? A última, então, nem se fala. O
político morre ou graça a imputabilidade, sem ver o ato conclusivo. Quantos
políticos foram duramente condenados até agora? Deve dar para contar nos dedos.
Ao analisar a maioria dos processos, provavelmente, um estudioso chegaria à
conclusão de que o povo fala de mais e enunciaria: os políticos brasileiros são
santos. Santos do pau oco, certamente.
Comemorem, então, todos os “fichas-sujas”. Reflitamos, mais, nós os eleitores.
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