Ronda pela consciência coletiva a ideia de que as tradições precisam ser preservadas. Não sem razão! Afinal são as tradições que nos ligam ao passado, às gerações anteriores e nos configura como povo. Mas será que devemos insistir na manutenção de todas elas, a despeito das críticas que pululam?
Eu perguntaria, por exemplo, se devemos manter os eventos que utilizam animais, submetendo-os a treinamentos exaustivos, condicionamentos exagerados, participações onde imperam violência ou morte? Dentre elas, as touradas, as rinhas de galos, os rituais religiosos, as apresentações circenses, os rodeios, as farras do boi...
Eu questionaria, dentre tantas, aquelas tradições que envolvem seres humanos oferecidos em sacrifício, as mutilações genitais femininas, os rituais de coragem ou de dor ou a quaisquer outros constrangimentos impostos a crianças ou adolescentes, os trotes universitários...
Enfim, a lista é grande de eventos tradicionais que ocorrem há séculos pelo mundo, mas que recebem críticas de sociólogos, antropólogos, historiadores, ambientalista, defensores dos animais, do povo em geral... Mas que são defendidas e mantidas por tantos outros pela força da tradição.
Trata-se de uma briga de argumentos. Uma briga que quem sabe mais, chora menos. Por isso, muitos eventos tradicionais questionáveis vêm sofrendo com o abandono natural do público. Os rodeios, que é um caso bem nosso, bem americano/brasileiro, hoje só se sustentam atrelados aos shows com artistas famosos, mas que colocam os animais no papel principal.
Sábado passado, o de Aleluia, era mais famoso antigamente, hoje uma tradição que definha, mas há relutantes. Penso que vale a pena refletir um pouco sobre o costume de malhar Judas entre a Sexta-Feira Santa e o Domingo de Páscoa para que possamos entender até onde uma tradição deve ser preservada ou esquecida.
Quem foi Judas? Muita gente sabe que foi um discípulo traidor que entregou o próprio Mestre para ser preso, julgado, condenado, torturado e morrer na cruz. Não resta a menor dúvida de que Iscariotes, apesar de não ter a grandeza de Jesus, segundo as escrituras, foi importantíssimo no plano de Deus, para que o cristianismo se propagasse. Ele desempenhou o pior e o necessário papel nos evangelhos. Há quem diga que foi o cara do serviço sujo. Assim, como não há dúvida de que o calvário foi um sacrifício esperado pelo povo de Israel e que contou com a concordância total do sacrificado. Dar a Judas um grande castigo, no Aleluia, é prova de amor a Cristo, pensam alguns.
Deixemos de fora, então, a ação protagonista obrigatória de Judas. Fiquemos com os ensinamentos que alicerçaram o cristianismo e se espalharam pelo mundo: o “amor ao próximo”, o “ofereça a outra face”, o “atire a primeira pedra quem estiver livre do pecado”... Convenhamos! Dá para imaginar que um cristão, depois de refletir sobre a vida e a morte de Jesus, queira ou apoie castigar, queimar, destroçar, tripudiar, humilhar Judas ou quem quer que seja, pela tradição? Só na hipocrisia, talvez!
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