Vocês já devem ter acompanhado a enxurrada de chorumes que uma gente bonita do sul/sudeste despejou pra cima dos nordestinos após a apuração dos votos do primeiro turno. Nada diferente do que vimos em todas as últimas eleições nacionais - e até mesmo regionais.
- ”Bora trabalhar pra sustentar esses nordestinos do Bolsa Esmola!”
- “Que trânsito! Também… hoje em dia qualquer ‘baianinho’ tem carro”
- “Esses nordestinos só votam em coronel, por isso que o Brasil não vai pra frente”
- “Esses ‘baianinho’ não querem mais trabalhar, não. Agora só querem viver de bolsa!”
Não há como negar. O uso do “baiano” como sinônimo de nordestino é prática comum, reveladora do preconceito. No Rio, o coringa utilizado pra se referir ao nordestino é o “paraíba”. Não sei como é no Sul, mas imagino que a coisa não seja tão diferente.
A frequência com que se fala esse tipo de coisa no sul/sudeste é enorme. O preconceito já está tão naturalizado, que frases como essas servem até pra puxar conversa no elevador.
Aí eu fico pensando: caramba, esses que achincalham a baixa escolaridade dos nordestinos devem ser uns poços de pré-sal de sabedoria. Mas a realidade é um pouco diferente. Muita gente sobe no pedestal pra desprezar o voto dos mais pobres:
Mas a desqualificação do voto nordestino tem sido tão comum nas últimas eleições, que até o sociólogo Fernando Henrique se sente à vontade pra escorar suas análises nesse tipo de preconceito. Segundo ele: "não é porque são mais pobres que votam no PT, mas porque são menos informados. Como era a Arena no regime militar: se apoiava nos grotões. Essa caminhada do PT dos centros urbanos industriais para os grotões é um sinal preocupante, porque é um sinal de perda de seiva. Estão apoiados num setor da sociedade sobretudo mal informado”.
Com essa retumbante bobagem, o Príncipe da Sociologia acredita que os nordestinos de hoje são menos informados do que os dos anos 90, quando votaram em peso para elegê-lo duas vezes consecutivas.
Em 94, quando o ex-presidente foi eleito pela primeira vez, ele teve maioria dos votos em quase todos os estados do Nordeste. Que curioso! Há 16 anos, quando a internet era só uma ideia futurista e a fome era uma realidade generalizada, os nordestinos pareciam ser mais bem informados e menos dependentes do coronelismo. Mas com quem Fernando Henrique estava aliado à época? Com o PFL (ex-Arena e atual DEM), o partido que abrigou todos os coronéis nordestinos criados na ditadura. Sim, os representantes do regime militar, que o ex-presidente oportunamente lembra agora.
Se perguntarem quais os motivos que o levaram a uma vitória tão vigorosa em 94 e 98, Fernando dirá que foi o Plano Real e a estabilidade da economia. Não tem como não concordar. Mas se o fator econômico foi preponderante numa época em que o nordeste vivia condições muito piores, por que hoje o fator determinante pra vitória do PT é a “desinformação”?
Fernando, vamos conversar mais sobre o nordeste?