Tem gente que torce o nariz para as novelas, tidas como produtos culturalmente desqualificáveis. Considero essa postura puro preconceito, afinal o folhetim tem raízes antigas na história da cultura humana. Um dos mais antigos é “As mil e uma noites” (não a novela da Band mas o clássico da literatura oriental) e grandes romances da literatura brasileira foram publicados em capítulos e havia torcidas e expectativas para o que aconteceria no “próximo capítulo”.
Minhas considerações, a partir de um texto publicado na FOLHA DE SÃO PAULO em 19 de abril de 2015 de Mauricio Stycer, são sobre “o triunfo da infantilização” que é justamente o título do artigo do Mauricio.
Esse fenômeno, antes de chegar às novelas, atingiu o cinema. Nas décadas de 60 e 70 do século passado os filmes que provocavam reflexões, debates e atraiam público eram assinados por Godard, Pasolini, Bergman ou então, para ficar com os nossos, Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos e outros astros do cinema novo. Lembro-me então com 14 anos no Cine Bairral vendo festival de cinema russo (que trazia Hamlet), “O Eclipse” de Antonioni e “Os fuzis” de Rui Guerra.
As matinês para crianças eram reservadas para filmes e séries como Batman, Flash Gordon, Capitão América e tais. Hoje o cinema se infantilizou de tal maneira que os modelos dessas antigas matinês invadiram todos os horários de exibição. Para você poder ver um filme instigante tem de procurar em um grande centro as chamadas salas culturais.
Voltando às novelas, BABILÔNA marca uma transição. Parece que finalmente o gênero se tornou adulto com uma trama que, além das aventuras e desventuras dos personagens, traz à cena temas contundentes da modernidade como política, instrumentalização da religião, novas formas de família, corrupção, ascensão social e a mercantilização do sexo entre outros.
Só que a “novela das nove” foi, fato raro, derrotada na audiência pelo folhetim das sete BAIXO ASTRAL, drama espírita que adotou um tom humorístico. Argumento, roteiro, direção e interpretação canhestra enfatizam, a todo o momento, que se trata de uma história bobinha - puro entretenimento, absolutamente descartável. Cláudia Raia, grande atriz, está parecendo um personagem de ZORRA TOTAL.
Alguns segmentos religiosos incomodaram-se com BABILÕNIA e chegaram até a pregar boicote. Não creio que omitir, ignorar ou desdenhar dos temas tratados na trama seja uma atitude saudável. Afinal a própria Bíblia, matriz cultural da narrativa do ocidente, traz no Antigo Testamento cenas de estupro, adultério, incesto, pedofilia, sugestão velada de homossexualidade e violência, muita violência, com rios de sangue. Creio que um dos motivos dela ter tanta força é justamente a não negação de nenhum problema que assola a humanidade. Ao lado dos feitos dos grandes heróis como Noé, Moisés e Davi é também relatada suas horas agônicas, pecaminosas e sombrias.
Não creio também que novelas determinem comportamentos. No máximo podem ditar moda e expressões. Além do mais o mal nunca vence e no final dos dramas o bem recebe sua devida recompensa. Se proibir que a TV ou o cinema mostre sexo e violência resolvesse o Irã, a Arábia Saudita ou a China seriam verdadeiros paraísos terrestres, pois a censura de lá não deixa nem beijo na boca e nem tiro à queima roupa.
Uma vez em São Paulo, no início dos anos 80, participei de um curso de moral cristã onde o padre organizador iniciava cada encontro reproduzindo no videocassete uma cena das telenovelas da época. Depois ele incentivava o debate oferecendo trechos de romances famosos, citações bíblicas e notícias de jornal. Foi a única vez que me lembro que quando terminava a hora da aula ninguém queria ir embora.
Comentários, artigos e outras opiniões de colaboradores e articulistas não refletem necessariamente o pensamento do site, sendo de única e total responsabilidade de seus autores.