ARTIGO PUBLICADO NA FOLHA DE SÃO PAULO – 1 DE ABRIL DE 2014
Hoje é o dia que marca, afinal, os 50 anos do golpe militar ocorrido em 1º de abril de 1964. Durante as últimas semanas, a sociedade brasileira foi obrigada a ler afirmações de personagens como o senhor Leônidas Pires Gonçalves, primeiro ministro do Exército pós-ditadura, insultando o país ao dizer que: "a revolução (sic) não matou ninguém" e que ela teria sido uma necessidade histórica.
Antes, correntistas do banco Itaú, uma instituição tão organicamente ligada à ditadura que teve um de seus donos, o senhor Olavo Setúbal, nomeado prefeito biônico da cidade de São Paulo, receberam uma singela agenda onde se lia que o dia de hoje seria o aniversário da dita "revolução". Ninguém, nem nas Forças Armadas nem no setor empresarial que tramou e alimentou o golpe teve a dignidade de pedir à sociedade perdão por um regime que destruiu o país.
É claro que ainda hoje há os que procuram minimizar a ditadura afirmando que ela foi responsável por conquistas econômicas relevantes. Raciocínio semelhante foi, por um tempo, utilizado no Chile.
Tanto em um caso quanto no outro esse raciocínio é falso. A inflação brasileira em 1963 era de 78%. Vinte anos depois, em 1983, era de 239%. O endividamento chegou, ao final da ditadura, a US$ 100 bilhões, legando um país de economia completamente cartelizada, que se transformara na terceira nação mais desigual do mundo e cujas decisões eram tomadas não pelo ministro da economia, mas pelos tecnocratas do Fundo Monetário Internacional chefiados pela senhora Ana Maria Jul. A concentração e a desigualdade se acentuaram, o êxodo rural destruiu nossas cidades, a educação pública foi destroçada, a começar por nossas universidades.
Mas o maior exemplo desse revisionismo histórico encontra-se na crença, de 68% da população brasileira, de que aquele era um período de menos corrupção. Alguém deveria enviar para cada uma dessas pessoas os dossiês de casos como: Coroa-Brastel, Capemi, Projeto Jari, Luftalla, Banco Econômico, Transamazônica e Paulipetro.
Tudo isso apenas demonstra o fracasso que foi, até agora, o dever de memória sobre a ditadura.
Mas o que poderíamos esperar de governos, como o de Fernando Henrique Cardoso, cujos fiadores eram Antônio Carlos Magalhães e Jorge Bornhausen, e de Luiz Inácio Lula da Silva/Dilma Rousseff, que tem em José Sarney um de seus pilares e em Antonio Delfim Netto um de seus principais conselheiros?
Como esperar uma verdadeira política contra a ditadura de governos que dependem de figuras vindas diretamente da ditadura?
Foi assim, de maneira silenciosa, que a ditadura venceu.
VLADIMIR SAFATLE escreve às terças-feiras nesta coluna.