Parece
que foi ontem. Lá se vão vinte e sete anos. No dezesseis de abril de 1984
ocorria, na Praça da Sé, em São Paulo, uma grande manifestação. Mais de 1,3
milhão de pessoas clamavam, unidas, por eleições democráticas. Queriam o fim da
ditadura. Hoje, parece piada falar sobre isso. Elegemos Collor, Fernando
Henrique e Lula, duas vezes e, no ano passado, Dilma, a primeira presidenta.
Confesso – penso que muitos concordariam - não esperava, naquela época, que
chegássemos a tanto, em tão pouco tempo: colocar na presidência um intelectual
tido como esquerdista, um trabalhador sindicalista mal escolarizado e uma
mulher rotulada como subversiva. E mais, inflação controlada, dólar
desvalorizado frente à nossa moeda, risco Brasil insignificante, a impagável
dívida externa fora do noticiário, os nossos jovens com perspectivas
profissionais consistentes, empregabilidade em ascensão e, para não encompridar
tanto essa lista, o trabalho da empregada doméstica caminhando para a escassez.
Eis aí, o grande sinal dos novos tempos.
Na Sé estavam Mário Lago, Fafá de Belém, Sócrates, Tancredo Neves,
Franco Montoro, Fernando Henrique Cardoso, Mario Covas, Pedro Simon, Luiz
Inácio Lula da Silva, Eduardo Suplicy, Leonel Brizola, Osmar Santos e tantos
outros, na luta pela democracia.
Aquele comício encerrava o movimento iniciado em Pernambuco, em
março de 1983. Fora programado para ser o golpe de misericórdia na ditadura e
para pressionar o Congresso Nacional a aprovar a emenda Dante de Oliveira que
restabeleceria as eleições diretas para a Presidência da República. Apesar do
gigantismo do movimento, os congressistas não aprovaram, dias depois, o anseio
popular. Achávamos que estávamos mais fortes. A decepção foi muito grande.
Parecia que iríamos à lona, de novo!
Em
pouco tempo, refeitos, descolados, fortalecidos pelo fracasso, percebemos que
aquela manifestação, pela sua grandiosidade histórica, seria fundamental para
mudar os nossos rumos. A febre de liberdade varreu o país, demonstrou nossa
força e uniu as correntes oposicionistas. Fatores decisivos para o processo de
redemocratização.
Uma corrente de
esperança foi formada pelos bastiões da democracia a partir daquele dezesseis
de abril. Ao final da novena, depois de mais de sessenta grandes comícios
realizados no país, reunindo mais de quatro milhões de pessoas, em protesto
pacifico, nas praças, além dos pequenos agrupamentos realizados por todos os
cantos, a emenda das diretas obteve 298 votos a favor, 65 contra e 3
abstenções. Graças a uma manobra dos contrários à redemocratização, 112
deputados não compareceram ao plenário. A emenda dos sonhos foi rejeitada, não
alcançou o número mínimo para a sua aprovação. Coincidentemente, enquanto a
votação corria sob os olhos do Brasil grudados na TV, um blecaute deixou parte
das regiões sul e sudeste sem energia. Um apagão que durou duas horas. Era a
intenção de diminuir as nossas esperanças e, quem sabe, evitar uma convulsão
social. Também por acaso, concomitantemente, tropas do exército ocuparam a
Esplanada dos Ministérios e a frente do Congresso Nacional. Providências
intimidantes no intuito de conter surpresas na votação. Um ato de força que deu
a senha da fraqueza e da insegurança do regime que agonizava. João Figueiredo,
de triste lembrança, aumentou a censura sobre a imprensa e ordenou prisões. A
violência policial exacerbou-se. Mas nada adiantou. O futuro nos pertencia.
Vale rememorar, que a
TV Globo, braço publicitário do regime militar, menos pela opção política, mais
pelos interesses econômicos e privilégios propiciados, viu o movimento das
“diretas já” crescer sem que ela participasse jornalisticamente das
manifestações. O Jornal Nacional arrancava, naquela época, audiência
estratosférica. Imaginavam que sem Globo, nada acontecia. Como se não bastasse,
ela recusou-se a veicular os anúncios pagos para a divulgação do
movimento. Ao primeiro comício em São Paulo, na Praça Charles Muller, no dia 25
de janeiro de 1984, passou a idéia de que se
tratava de uma manifestação comemorativa ao aniversário da cidade de São Paulo.
Engodo que foi denunciado e condenado pela sociedade civil. A partir disso, com
medo do descrédito popular passou a noticiar os demais comícios, mas sempre que
podia, reduzia o número de participantes. Não resistiu. Nas últimas
manifestações, talvez por conveniência, entrou na luta como se lá estivesse
desde o princípio.
A Globo não seria mais a
mesma depois daquele dezesseis de abril. O Brasil, também.
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