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03/10/2022 | Luiz Santos: E se Lutero vivesse hoje?

E lá se vão quinhentos e cinco anos desde o dia em que Martin Luther teria afixado as suas noventa e cinco teses nas portas da igreja de Wittemberg, na distante Alemanha do século dezesseis. Aquele mundo, a cosmovisão daqueles homens, aquela sociedade e aquela cristandade já não mais existem e por isso mesmo, muitas respostas dadas naquele recorte da história não fazem muito sentido hoje, uma vez que as perguntas são outras e igualmente o mundo, a cosmovisão e a cristandade em geral e a igreja em particular. Podemos afirmar, inclusive, que sob muitos aspectos, nem mesmo a igreja católica apostólica romana é a mesma. Depois daqueles dias, essa expressão do cristianismo sofreu muitas modificações, e até uma certa atualização, sob o nome de ‘aggiornamento’ no Concílio Vaticano II. Mas, e o que dizer da igreja que se reformou a partir do movimento luterano e/ou concomitante a ele? Também sofreu profundas modificações, divisões, subdivisões, reinterpretações teológicas e novas configurações. Luteranos, Reformados, Calvinistas, Arminianos, Pentecostais, sem falar nos subprodutos cristãos, Testemunhas de Jeová, Mórmons e outros. Então, se Lutero vivesse hoje, a igreja católica talvez nem seria uma preocupação para ele, entretanto, a igreja evangélica talvez o faria perder noites de sono e demandaria dele longas vigílias de oração e quem sabe pregações mais viris, violentas até. Engana-se quem pensa que o movimento reformador tinha um viés negativo, ser contra o romanismo. Não. Na verdade, Lutero nem pensava em romper com a igreja católica, mas contribuir para a sua renovação espiritual. Assim, a reforma é um movimento positivo de retorno às purezas e à simplicidade do Evangelho. Claro que isso implicou em uma complexa ação de reforma estrutural, no poder e governança eclesial e na liturgia, por exemplo. Mas essa complexidade foi demandada exatamente para remover o entulho dos costumes e das tradições que, como demãos de tinta, escondiam o brilho glorioso do Evangelho de Jesus Cristo. A igreja evangélica de hoje também desenvolveu costumes e tradições que começam a comprometer, camada sobre camada, o brilho do Evangelho. Também a sede de poder é quase indisfarçável e muitas denominações estão apegadas ao seu império ministerial, construindo castelos, porém, não edificando o Reino. Seguramente, Lutero se depararia com essa situação preocupante, as comunidades cristãs estão se especializando em criar religiosos, ‘clientelizar’ e por fim fidelizar com uma prestação de serviços sagrados nos quais possam dizer no fim, estamos satisfeitos. É a lógica do ‘freguês tem sempre razão’. Para isso, o discipulado radical cede o seu lugar para as reuniões de socialização, com uma mensagem inofensiva para o ego, indolor para o ‘homem velho’, porém terapêutica para a carne e se essa reunião terminar com comida, muita comida, muito melhor. Esse banquete, não vem como na igreja antiga, precedido do martírio, das exigências altíssimas da cruz, da renúncia da vontade própria e da obediência incondicional. Não é de fato uma ‘ágape’, uma festa do amor, mas um culto ao ventre, ao ‘eu’ caprichoso e não a celebração da vitória do amor de Deus sobre a vileza do coração. O Evangelho puro e simples produz discípulos, produz mártires, produz profetas, produz uma geração contracultural que vive na contramão dos valores da sociedade e do mundo e que vive em seu meio testemunhando pela vida santa, pelo compromisso com o Reino e a sua justiça, realizando boas obras que glorifiquem a Deus e abençoem o próximo. Sem dúvida alguma, se Lutero vivesse hoje protestaria contra essa igreja evangélica ‘classe média’, aburguesada, ensimesmada e que prega um Evangelho cosmético que corrige as aparências e deixa um coração podre e malcheiroso dentro do homem a exalar o odor da morte no lugar do bom perfume de Cristo. Se Lutero vivesse hoje levaria muitos dos nossos líderes à vexação pública e os convocaria em um tempo de jejum, pano de saco e profunda conversão ao Evangelho. Mas não precisamos de Lutero, temos o Senhor Jesus, dono e cabeça da igreja que nos visita a cada dia, com essa desconcertante mensagem:Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei e cearei com ele, e ele comigo” (Apocalipse 3.20). Reformar pode significar deixar Jesus entrar na igreja que lhe pertence!

Reverendo Luiz Fernando, pastor protestante, Igreja Presbiteriana do Brasil

Fonte: Luiz Santos

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