(Artigo escrito por Padre Pires para o jornal "EXPRESSO SANTO ANTÔNIO" da Paróquia Santo Antônio de Itapira).
No dia 10 de junho do mês passado, terça-feira, antevéspera da abertura da Copa, estive em São Paulo para assistir à ópera “Carmem” no Teatro Municipal. O espetáculo terminou por volta de meia noite e meia e fomos caminhar pelo centro da capital. Uma beleza, tudo limpinho, polícia em cada esquina, pessoas de todas as idades e cores festejando, cidade bem iluminada. Nem parecia uma madrugada de terça-feira (e nem era véspera de feriado) no centro da capital paulista. Apesar dos profetas do apocalipse anunciarem que ia ser um caos a Copa do Mundo aconteceu no Brasil e nosso país foi muito elogiado, tanto pela imprensa como pelos turistas, pela organização e eficiência com que tudo correu.
Agora, quando escrevo estas linhas, parece que tudo voltou ao “normal”. Como disse o jornalista Valdo Cruz: "que pena"! A anormalidade da Copa do Mundo é muito mais agradável e deveria ser nosso estado natural. O Brasil agiu como uma família que sabe receber bem suas visitas: limpa a casa, ajeita o quarto de hóspedes, reforça a geladeira e melhora o astral para agradar seu hóspede desejando que ele volte sempre.
E faço a mesma pergunta do jornalista: “Por que não deixar a casa arrumada para seus habitantes diários e não só para visitantes ocasionais? Que tal tratar o vizinho da mesma forma que encantou os turistas estrangeiros? Que tal nossos governantes dedicarem, todo santo dia, o mesmo zelo pelos serviços públicos demonstrado durante a Copa para dizer ao mundo que, sim, somos capazes?”.
Se não houve “incidentes” houve um grande “acidente” que foi a derrota humilhante do Brasil que nem a medalha de bronze ganhou. Especialistas de quase todas as áreas escreveram sobre o assunto explicando, criticando, analisando e sugerindo.
Nos tempos do Império Romano havia muitos jogos e competições e pelo jeito o apóstolo São Paulo gostava. Em várias passagens de suas cartas ele faz referências às corridas. Vejamos esta:“Vocês não sabem que dentre todos os que correm no estádio, apenas um ganha o prêmio? Corram de tal modo que alcancem o prêmio. Todos os que competem nos jogos se submetem a um treinamento rigoroso, para obter uma coroa que logo perece; mas nós o fazemos para ganhar uma coroa que dura para sempre. Sendo assim, não corro como quem corre sem alvo, e não luto como quem esmurra o ar.” (I Cor 9, 24-26).
Festas e jogos são bons e ajudam a mitigar as canseiras da luta pelo cotidiano. Que o mesmo empenho demonstrado pelos atletas e organizadores dos jogos sirva de estímulo para que esta energia seja direcionada para coisas tão ou mais importantes como a lida com nossos problemas básicos de educação, saúde, segurança e bem estar. Nas corridas do tempo do apóstolo e na copa de hoje “Vocês não sabem que dentre todos os que correm no estádio, apenas um ganha o prêmio? (I Cor 9, 24). As derrotas e reveses podem ser ótimas oportunidades para uma revisão profunda, novos reajustes e novos recomeços. Todos os manuais de auto-ajuda em moda hoje reafirmam que saber lidar com perdas é condição essencial para continuar vivendo.
O nosso velho e conhecido Freud já dizia que a civilização causa mal-estar porque, para ela existir, são necessárias as normas e leis que regulem a convivência humana. Limites legais e pessoais causam incômodo aos nossos instintos de fome, sede, sexo, segurança e continuidade, pois quem não gostaria de ser livre para fazer tudo o que tem vontade? Mas na medida em que a noção de alteridade, a percepção do outro como diferente e com os mesmos direitos e deveres se torna presente, estes limites são bem vindos e bem assimilados. E, voltando ao nosso apóstolo Paulo: “Nenhum atleta será coroado, se não tiver lutado segundo as regras” (II Tm 2,5).
Teve muita gente criticando os gastos, o futebol como alienação (assim como o carnaval) e que essas coisas só prejudicam e não trazem nada de bom. Como já cantavam os Titãs no século passado: “Bebida é água e comida é pasto! A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte, a gente quer comida e diversão, balé. A gente quer prazer prá aliviar a dor. A gente não quer só dinheiro, a gente quer dinheiro e felicidade”. E bem antes de Arnaldo Antunes o nosso amigo de Tarso já dizia: “Ninguém vos roube a seu bel-prazer a palma da corrida, sob pretexto de humildade e culto dos anjos”. (Col 2,18). E terminando com o Almir Sater:
Ando devagar
Porque já tive pressa
E levo esse sorriso
Porque já chorei demais
Hoje me sinto mais forte
Mais feliz, quem sabe
Só levo a certeza
De que muito pouco sei
Ou nada sei
Conhecer as manhas
E as manhãs
O sabor das massas
E das maçãs
É preciso amor
Pra poder pulsar
É preciso paz pra poder sorrir
É preciso a chuva para florir
Penso que cumprir a vida
Seja simplesmente
Compreender a marcha
E ir tocando em frente
Como um velho boiadeiro
Levando a boiada
Eu vou tocando os dias
Pela longa estrada, eu vou
Estrada eu sou
Conhecer as manhas
E as manhãs
O sabor das massas
E das maçãs
É preciso amor
Pra poder pulsar
É preciso paz pra poder sorrir
É preciso a chuva para florir
Todo mundo ama um dia
Todo mundo chora
Um dia a gente chega
E no outro vai embora
Cada um de nós compõe a sua história
Cada ser em si
Carrega o dom de ser capaz
E ser feliz
Conhecer as manhas
E as manhãs
O sabor das massas
E das maçãs
É preciso amor
Pra poder pulsar
É preciso paz pra poder sorrir
É preciso a chuva para florir