No mês passado a Prefeitura Municipal realizou o Concurso de projetos para requalificação urbana da Praça Bernardino de Campos, uma iniciativa bastante progressista, que visou trazer profissionais e cidadãos a participarem na elaboração de um projeto de importância fundamental para a cidade. O projeto vencedor mostrou estar atento a questões contemporâneas, como acessibilidade e sustentabilidade, prevendo belas e amplas rampas que dissolvem a divisão por níveis da praça atual. Além disso, contava com uma apresentação impecável tanto em termos visuais quanto explicativos. A fim de contribuir nestas questões, gostaria de chamar a atenção para alguns pontos a meu ver cruciais para reativar um centro com vida urbana intensa e plural.
A meu ver, um projeto com estes objetivos tem de ter como pontos de alavancagem não apenas a criação de espaços arquitetônicos agradáveis e bem resolvidos, mas também os usos do espaço. Quero dizer, é preciso mudar os programas que aquele espaço atrai. Praças centrais são, historicamente, lugares com atividades que concentram encontros e sociabilidade. São eles cafés, bares, restaurantes, espaços para expressões artísticas, manifestações de cidadania ativa e religiosas.
Raciocinemos com casos concretos. Na cota alta, a da Igreja, a praça Bernardino de Campos conta com atividades pontuais, com dia e horas especificas; na maior parte do cotidiano atrai poucas atividades. Na cota baixa, da Rua Bernardino de Campos, a praça conta com bons espaços, mas atualmente estes são utilizados por usos administrativos (Departamento de Correção de Condutas ), serviços burocratizados ( Procon), financeiros ( Credita e Banco do Povo). Há uma única exceção, o saudoso Kashiba, que também funciona apenas em horário comercial. Depois das 18h e em fins de semana, tanto a praça existente quanto a versão projetada permanecem de portas fechadas.
Por outro lado , seja em Veneza, Barcelona ou Paris, as praças mais vivas contam sempre com cafés, bares, restaurantes e sorveterias, que não apenas se voltam para a praça como a ocupam, com cadeiras e ombrelones, diuturnamente. A esses exemplos poderíamos objetar que dizem respeito a outro contexto social, com uma cultura mais arraigada em termos de vida pública. Vamos então a exemplos próximos: basta irmos a Águas de Lindoia e Serra Negra ( praças centrais), ou a São Paulo ( Rua Augusta, Av. Paulista, Rua Família Mancini e tantas outras da Vila Madalena): as ruas e praças ganham vida com estes comércios onde pessoas sentam para conversar, encontrar amigos, comer e beber algo, sociabilizarem-se, cedo, à tarde e à noite. São turistas, pais com seus filhos, executivos, jovens com seus “ficantes”, artistas de rua etc. Podemos olhar para a própria cidade de Itapira e perceber como os cafés e bares com mesas na calçada estão sempre cheios. E as mesas na calçada sempre as mais procuradas. Basta perceber o quanto o calçadão da José Bonifácio trouxe de atividade para os comércios que sabem usar deste espaço – vale destaque para o Jazz Café.
E não estou sozinho com estes argumentos. Em Morte e Vida das Grandes Cidades, uma das obras mais renomadas do urbanismo do fim do século XX, Jane Jacobs defendeu a importância de uma cidade ter atividades diversas, com usos combinados, que tragam pessoas em horários distintos ( vale conferir a edição brasileira da ed. Martins Fontes, sobretudo entre as págs. 165 a 195). Em Cidade Para Pessoas, o urbanista Jan Gehl, especialista em projetos urbanos – com trabalhos em Copenhage, Melbourne e Londres –, salienta que o centro urbano deve ser pensado não tanto para automóveis, mas para os usuários. Entre as atividades que trazem vida urbana, Gehl confere destaque aos cafés:
“De todas as atividades de permanência que se apresentam sobre uma zona urbana, os cafés que se abrem para uma calçada desempenham um papel importante na conformação da paisagem urbana contemporânea(...)O atrativo real e a justificação dos cafés é a de que permite entrar em contato com a vida que ocorre na calçada, o espaço público. A possiblidade de descansar e beber algo é somente um atrativo a mais. Tomar um café é a razão pela qual alguém se senta sobre uma calçada, mas é também um motivo para observar o desenrolar da vida urbana”. (pp.145-146)
A contribuição dos autores está, a meu ver, em mostrar que a vida urbana pode florescer por meio de instrumentos bastante simples e atividades bastante conhecidas: aquelas que concentram encontros. Como projetar é uma atividade essencialmente especulativa, referências teóricas e casos historicamente exitosos nos ajudam a raciocinar com mais concretude.
Paolo Colosso é arquiteto, tem graduação em Filosofia pela Unicamp. Atualmente faz mestrado no departamento de Filosofia da USP, onde estuda cultura urbana em metrópoles contemporâneas.
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