O Teatro Político de Antonin Artaud
É possível falar em um teatro político de Artaud? Teatro metafísico, teatro alquímico, teatro da crueldade, são definições que o próprio autor propõe, na tentativa de definir e fazer entender suas propostas. Mas, teatro político?
Artaud quer uma revolução, quer mudanças sociais radicais. O teatro para Artaud é um meio para que estas mudanças aconteçam. Erroneamente, suas propostas são muitas vezes entendidas desconectadas de sua visão social e política. Ele, todavia, não tem em vista fins sociológicos imediatistas, nem propostas político-partidárias. Aliás, este foi um dos principais motivos de seu rompimento com os surrealistas quando estes aderiram ao comunismo.
Artaud “tem consciência dos problemas suscitados pela reificação dos homens e da nítida situação de exploração reproduzida, dia após dia pela máquina capitalista. Tem consciência dos problemas sociais-políticos e econômicos de seu tempo”. Artaud não mergulha em sua insanidade em uma busca mística desconectado da realidade que o cerca. Analisando o capitalismo, reconhece que este não consiste apenas em um modo de produção material, “mas em um modo de produzir a vida”. Por outro lado, se posiciona também contra o comunismo e o critica por que acredita que este se ocupa das mesmas questões que o capitalismo, apenas propondo a transferência do poder da burguesia para o proletariado, atendo-se à produção material, ao desenvolvimento técnico com fins de melhoria das condições materiais da vida, atingindo assim “apenas as aparências superficiais”.
A revolução artaudiana quer explodir os fundamentos do mundo moderno, subverter pela raiz os hábitos de pensamento atuais e, em suas palavras, “descentrar o fundamento atual das coisas”. Constatando a decadência da sociedade ocidental, em suas idéias, costumes e valores, propõe uma “revolução inútil”, que não atinge o imediato, mas que trabalha no âmbito virtual, questionando e minando os valores reinantes.“Se o teatro é o meio escolhido por Artaud, é por que ele crê ser o único meio que age diretamente sobre a consciência das pessoas, portanto, um instrumento ativo e enérgico, capaz de revolucionar a ordem social existente. (...) O Teatro da Crueldade só pode crer numa revolução que atinja destrutivamente a ordem e a hierarquia dos valores tradicionalmente aceitos como absolutos”.
A subversão destes valores é fundamental para Artaud. Ele reconhece que a confusão e a ruptura fragmentam o indivíduo e a sociedade. Por isto acredita que a revolução precisa ocorrer “pela cultura, na cultura”.
No prefácio de O teatro e seu duplo, ele reflete sobre a cultura contrapondo duas diferentes formas de compreendê-la. Uma, dominante na sociedade ocidental, coloca a cultura como algo separado da vida, como um sistema de conhecimentos,
informações, instrução. Esta visão de cultura traz consigo uma noção elitista e dualista – o culto e o inculto – a idéia da “aquisição” de cultura que remete a uma desconexão. “Como se de um lado estivesse a cultura e do outro a vida; e como se a verdadeira cultura não fosse um meio refinado de compreender e exercer a vida”.
Em oposição a esta “idolatria da cultura”, ele apresenta a idéia da “cultura em ação”, que se torna no homem como que um novo órgão, uma espécie de segundo espírito e que rege as ações mais sutis, o espírito presente nas coisas. Artaud acredita na existência de forças latentes capazes de se manifestarem pelo totemismo que o Ocidente não mais considera. Esta cultura é a autêntica, segundo ele, e as relaciona com os manas (que surgem pela identificação mágica). A cultura funde-se com a vida e a vida com a cultura, promovendo a integração do ser humano. Assim, a dicotomia corpo e espírito do ocidente, presente na primeira definição de cultura, não encontra espaço porque não distingue as forças da natureza, das divindades e do ímpeto humano que dá sentido à vida. “A verdadeira cultura pressupõe uma modificação integral, mágica, do ser no homem, numa união entre corpo e espírito, em que este último é cultivado no corpo que, por sua vez, trabalha o espírito”.
A revolução de Artaud passa por uma transformação na maneira da sociedade compreender a vida, de dicotômica a fusional. O idealismo artaudiano pretende transformações nas estruturas mais profundas, na forma da sociedade viver suas relações, não como indivíduos isolados, mas como um ser integrado ao social. Neste sentido quer uma recuperação das raízes pré-modernas, quando a vida não podia ser compreendida separada da religião. Desta mesma forma, não há para Artaud separação da arte e da vida, pois estas estão envolvidas pela mesma força metafísica. A arte não se encontra como algo a se apreciar, mas como algo a ser vivido.
Ele afirma que “no ponto de desgaste a que chegou nossa sensibilidade, certamente precisamos antes de mais nada, de um teatro que nos desperte: nervos e coração.” (ARTAUD, 1993: 81). Através do teatro, Artaud pretende abalar sensorial e espiritualmente o espectador, desenvolver sua sensibilidade, colocá-lo em um estado de percepção mais apurado para transformar a consciência. Os nervos e o coração não estão dissociados, mas são veículo um para o outro. “Não se separa o corpo do espírito, nem os sentidos da inteligência” (ARTAUD, 1993: 83).
Artaud aponta várias formas objetivas para que o teatro atinja os nervos do público, mas sublinha veementemente que, caso haja estabelecimento de uma linguagem teatral fixa, esta arruinará o teatro, pois a cristalização de uma forma consiste, segundo ele, no impedimento do movimento da cultura, do espírito. É o rompimento da linguagem que toca a vida e impede a idolatria.
Conheci o trabalho de Artaud, em 2006, através do exemplar “O Teatro e seu duplo”, que ganhei de presente da minha orientadora de Artes Cênicas, Mariane Magno Ribas. Uma profissional que buscava investigar os nossos limites da mente e corpo. Sinto saudades, porem me comunico sempre com ela para sanar minhas duvidas em relação ao meu trabalho.
Antonin Artaud (1896-1948) desde cedo apresentou problemas de saúde e neurológicos. Aos 24 anos começou a tomar tintura de ópio para aliviar dores de cabeça. Tornou-se dependente. Foi internado diversas vezes. Sofreu vários tratamentos para loucura. Autor de teatro e cinema, teórico do teatro e autor de peças teatrais, poemas, ensaios, cartas (seu meio de expressão preferido).
Artaud questionou e subverteu a noção de LOUCURA em seus textos, como em "Van Gogh: O Suicidado Pela Sociedade".
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