Artigo

11/01/2011 | QUISERAM DETURPAR A MINHA DIGNIDADE... RÁ! RÁ! RA!
Quando me perguntavam o que eu ia ser quando crescer, imediatamente eu respondia com os olhos flamejantes: vou ser professora! Queria ser como as professoras que passaram e marcaram a minha infância. E o que leva uma criança fazer suas próprias escolhas? Tomar suas próprias decisões? Eu já era decidida e muito teimosa desde pequena. Ainda esta semana conversava com minha amiga de infância, a Patrícia e falávamos justamente sobre esse assunto: decisões e escolhas. Ao passar dos anos, toda aquela vontade, aquele sonho de criança foi se esvaindo. Talvez eu já visse o mundo com outros olhos. Ainda criança, juntava-me com algumas colegas para fazer teatro. Em casa, eu planejava toda aquela bagunça, cenários, figurinos e minha mãe dava o maior apoio, pois adorava ver a casa cheia de amigas. Foi então que aos 5 anos de idade, fui levada pelo meu irmão mais velho ao Cine Teatro Américo Bairral. Ele era o responsável pela abertura do cinema. E parece que foi ontem que meus olhos brilharam ao ver aquele imenso palco, as cortinas e todas aquelas cadeiras. Em um momento inesperado eis que uma Fada surgiu na platéia, bem na minha frente. Aquilo me paralisou! Ela perguntava as crianças que as rodeavam se gostariam de participar do espetáculo. Imediatamente dei a mão aquela mulher que vestia um longo vestido azul com sua varinha de condão e fomos caminhando eu e mais seis crianças até o camarim. Lá vestimos uma roupa de feltro e um gorrinho que pinicava a nossa cabeça. Sim, felizmente éramos os famosos anões da Branca de Neve. Subi ao palco pela primeira vez como figurante de um espetáculo profissional em Branca de Neve e os Sete Anões. Tínhamos apenas que falar, "pobrezinha Branca de Neve" e cantar a clássica melodia "Eu vou... eu vou... pra casa agora eu vou..." Aquilo tudo foi mágico, tiramos fotos, beijamos a Branca de Neve e nem ficamos com medo da Bruxa. Veja que engraçado, ao invés de espectadora passei a figurar do outro lado. Alguns anos depois um sentimento dentro de mim começou então a se transformar. E foi na Escola Julio Mesquita que minhas aparições começaram a despontar. O meu grupo de colegas chegava até a driblar as aulas para ficar no palquinho lá embaixo para ensaiar a peça para as Olimpíadas. E aqueles anos foram momentos mágicos e inesquecíveis que jamais retrocederá.Nessas idas e vindas, indecisões de adolescentes, conflitos, mas eu precisava focar na escolha da minha profissão, pois tinha que decidir um dia a que rumo tomar. Cheguei a pensar em ser professora de Educação Física, pois adorava dançar, desde pequena fazia ginástica Olímpica e dança. Pensei mais um pouco e optei por Publicidade e Propaganda. Repensei mais um pouco e optei para o Jornalismo, pois gostava de criar e escrever. Eis que um belo dia, uma luz me guiou para a Comunicação Social, onde estudei Relações Públicas e me tornei filha da PUC. E ao longo dos anos, percebi que o poder da comunicação já tinha nascido comigo, as palavras corriam por entre minhas veias, o que eu precisava apenas era de um direcionamento. E, na Facul, no primeiro ano, adivinhem só, aulas de Expressão na Comunicação com o grande ator e dramaturgo Paulo Coelho. O palco estava mais uma vez no meu caminho. E, numa noite de platéia lotada no auditório encenamos Operário em Construção de Vinícius de Moraes e Caminhando contra o vento, nossa adaptação, fazendo alusão à ditadura militar. Aquela minha turma era extraordinária! Passamos por cada situações...Vivíamos num estágio de frenesi. Jovens alucinados se preparando para encarar o mercado de trabalho. Nunca traímos a confiança uns dos outros, pois na minha concepção as amizades verdadeiras são duradouras e eternas. Construímos laços de amizades que nem ao menos uma navalha poderia cortar. Estudando e trabalhando em Campinas, fui então exercer minha profissão no Departamento de Comunicação do Clube de Futebol da Ponte Preta. Lá aprendi muitas coisas com o meu grande amigo Alfredo Leal e o Jornalista Luiz Ceará. Descobri que lidar com o público e com o povo é extremamente diferente. Levei tropeços, sofri, sorri, me diverti, senti frio, solidão, tomei muita chuva, senti dor, chorei e me levantei. Nunca esqueci os meus princípios e dos conselhos de que na vida tudo passa e o sofrimento faz parte do nosso ser.E na minha vida as coisas NUNCA foram fáceis, pois se fosse não teria sentido algum. No retorno para Itapira fui convidada pelo próprio Paulino Santiago, que era o meu vizinho para compor o Grupo Teatral Paulino Santiago, em meados de 2002. Aquele senhor extremamente inteligente e prestativo me dizia que eu tinha chegado para não deixar o teatro morrer! Com a sua morte, tudo mudou. A partir daí tomei frente daquela coisa que era velha pra mim, mas ao mesmo tempo inovadora. Como fazer pessoas se tornarem personagens? Como lidar com produções artísticas? Como trabalhar com as indiferenças? Felizmente a vida me ensinou com o apoio de profissionais ligados a arte que encontrei pelo caminho. Fui à procura é óbvio, pois tudo na vida tem que ser conquistado com garra e persistência e essa tal persistência às vezes me deixa maluca! Esses meus orientadores com quem mantenho contato até hoje, me instruem quando sinto necessidade. E sabe qual é a resposta deles? Organize sua mente, faça o que está na sua cabeça, pois tem capacidade para executar. Uau! Em todos os meus trabalhos envio cópias para que eles possam acompanhar a semente que foi plantada e que continua germinada e dando bons frutos. E nessas andanças da minha vida, centenas de trabalhos, muitos ligados ao teatro infantil e principalmente formando crianças em atores e cidadãos de bem, sempre pregando a união, o respeito mutuo e a importância que a cultura e a arte tem na nossa formação. Em meus longos anos na Escola em Tempo Integral, descobri vários talentos, com muitos valores técnicos. Muitos deles foram perdidos por falta de incentivo familiar e alguns despontaram por incentivo dos pais. Quando vejo em fotografias meus alunos pequeninos que hoje se tornaram adolescentes e brilhantes atores, bate um orgulho no fundo da alma e aí eu paro e penso. Sou eu a percussora disso tudo. Não há dinheiro no mundo que pague em atuar ao lado dos meus alunos, ou sentar na platéia e ve-los atuar... Isso é compensador demais. Quando chega ao término de uma apresentação, vejo o semblante dos pais. Provavelmente sempre estou arrumando minhas tralhas e ouço conversas da satisfação que tiveram em ver seu filho brilhar em cena e outros vencerem a megera timidez. Ganho beijos, abraços e "muito obrigado" pelo poder de transformação que proporcionei a cada um deles. Tenho um ator no elenco, o Lu, que sempre quando vai embora me diz: obrigado por tudo, até o próximo ensaio. Fico muito feliz por ouvir suas palavras. O talento ou acaso não escolhem para manifestar, nem dias nem lugares. Lembro sempre de um pensamento de José Saramago e sempre friso que “Não nos vemos se não nos saímos de nós”. Lido com pessoas simples, que saíram do anonimato e hoje desfrutam de uma vida diferente. Quando chega a época da Paixão de Cristo é fantástico quando se misturam atores e pessoas que nunca tiveram contato com essa arte. Outro exemplo é quando chegamos às escolas para encenações infantis e as crianças seguram-nos impossibilitando de mover um passo sequer. Isso não tem preço – o amor e reconhecimento pelo nosso trabalho e identificação com a personagem. O sucesso nasce do querer, da determinação e persistência em se chegar a um objetivo. Mesmo não atingindo o alvo, quem busca e vence obstáculos, no mínimo fará coisas admiráveis. Voltando ao assunto das crianças, como dizia, foram descobertos talentos, que hoje figuram no cenário artístico do município. Mas o que mais me deixa indignada foi ter vivido durante anos no meio de algumas pessoas que não se importavam com o meu trabalho, quanto menos com as crianças. Certo dia quiseram duvidar e questionar a minha dignidade, rá,rá, ra! Pra cima de mim não!. O difícil não é viver com as pessoas, o difícil é compreendê-las. Sempre tratei as crianças com o maior respeito, fazendo com que elas mergulhassem de corpo e alma no universo cênico. Todo o meu ciclo de trabalho encontra-se documentado, fotografado e filmado. Na realidade é que meus projetos são bons demais para uma situação nada sustentadora. Trabalhar num ambiente em que um educador não é valorizado pelo seu trabalho não dá para tolerar. Os pais até hoje me abordam na rua e questionam sobre o meu "abandono" às crianças. Por isso faço uso deste nobre espaço para esclarecer que em momento algum abandonei as crianças, apenas me desliguei, ou melhor, tentaram me tirar da tomada. Tenho o meu trabalho com dois núcleos de teatro que se encontra com as portas abertas para qualquer cidadão que queira ingressar nessa área. Eu devia uma explicação aos pais e para alguns professores e outros que me abordam e que viam a riqueza e o resultado do meu trabalho. Sou digna dos meus compromissos, odeio a inverdade, pois dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos. Vivo num mundo onde preciso acreditar na vida e isso basta! Citando mais uma vez o grande escritor José Saramago onde dizia que o silêncio ainda é o melhor aplauso. Encerro esse artigo com um pensamento de Fernando Pessoa, onde sempre compartilho com meus alunos e em meus trabalhos de vídeos feitos para nós...
Dever de Sonhar
Eu tenho uma espécie de dever, dever de sonhar, de sonhar sempre,
pois sendo mais do que um espetáculo de mim mesma,
eu tenho que ter o melhor espetáculo que posso.
E, assim, me construo a ouro e sedas, em salas
supostas, invento palco, cenário para viver o meu sonho
entre luzes brandas e músicas invisíveis.
Fonte: Juliana Avancini
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