Ao assinar o AI-5, o constrangido Ministro do Trabalho, Jarbas Passarinho, fez um desabafo imortal: "Às favas com os escrúpulos de consciência"- foi quando a ditadura militar apertou a tarraxa de vez.
Esta semana, fui jogado abruptamente àquele tempo de triste lembrança. Ao participar de uma reunião como membro do Conselho Municipal do Meio Ambiente - convocada para esclarecer pontos confusos do processo de licitação da execução dos serviços de limpeza pública e coleta de lixo – foi estarrecedora a impiedosa determinação ditatorial. A imprensa itapirense, representada naquele momento pelos jornais Tribuna de Itapira e A Cidade, foi sumariamente expulsa da sala de reunião.
O assunto envolvia e envolve cada itapirense que produzir lixo. O cidadão tem o direito constitucional de ser informado sobre os assuntos que lhe diz respeito. Cabe à imprensa livre, esse papel.
Os jornalistas, mal colocaram os pés na porta de entrada da sala do assessor jurídico da secretaria de recursos materiais, receberam a determinação: “a imprensa não poderá participar da reunião.” Indignado, perguntei: “de onde veio essa ordem?” “Do prefeito”, respondeu laconicamente. Incrédulo, pedi desculpas aos jornalistas e solicitei que eles aguardassem, mais um pouco, para que pudéssemos confirmar tal proibição com o secretário de negócios jurídicos e CIDADANIA, Mário da Fonseca. Mário chegou e confirmou. Por conhecer a postura ética e política de Mario, o senti na mesma cadeira de Jarbas Passarinho.
Foi mais do que interessante a justificativa deles: todos os assuntos que envolverem o poder público municipal serão da exclusiva responsabilidade da imprensa oficial do município. Tipo assim: queremos dar a visão verdadeira à população de Itapira. Bem sabemos que a linguagem oficial consegue refletir apenas os interesses do poder público, sempre a posteriori, jamais os interesses e as dúvidas antecipadas da população.
No dia seguinte, questionei a assessoria de imprensa. Recebi a seguinte explicação: a orientação que foi passada às secretarias é de que nas reuniões técnicas a imprensa não poderia mais participar. Só isso. Na referida reunião, a fala dos secretários foi diferente. Mas mesmo que ela fosse semelhante, ainda assim, estaria revestida de propositura ditatorial. A quem cabe determinar se a reunião é técnica ou não? E quando a população quer ser informada antes, para protestar ou discutir, quando for o caso? Será que as tais reuniões técnicas estão atreladas aos interesses coletivos? Será que o poder público pode receber da população tamanha carta branca? É essa a herança que o Novo Tempo pretende deixar da sua passagem?
Além do mais, a reunião do Condema com a prefeitura não era técnica. Era sobre a política de resíduos sólidos, cujos solicitantes representavam a sociedade civil. Representantes que não queriam assumir para si o papel de detentores da informação exclusiva e muito menos a de procuradores absolutos.
Assim, apesar de desconfiar, há tempos, da fragilidade da noção democrática incrustada nas cabeças “novotempistas”, sempre torci para estar completamente errado nessa avaliação. Lamentavelmente, não estava.
O que mais me preocupa é que a partir dessas coisas, o próximo prefeito, seja ele quem for, ao oferecer uma leve fresta de abertura à imprensa e à transparência, acabará louvando, Céu e Terra, como sendo um governo democrático, jogando na cara de todos: “veja se vocês podiam fazer isso nos governos passados?” Mantendo a toada e a idéia da democracia por concessão. Como se democracia fosse, por exemplo, como o lixo, algo concessível.
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