Dentre as diversas noções de purificação ou castigo temporário, exalto a inventividade de Dante Alighieri declinada no poema épico “A Divina Comédia”. O purgatório de Dante é como uma montanha, que serve de escada para o Céu. Que ninguém pense que é fácil passar por São Pedro. Para o inferno não é difícil, as portas nunca se fecham. É preciso ter fôlego de gato para escalar os rochedos e chegar até a porta estreita, fechada com duas chaves. O purgatório é departamentalizado, um setor para cada tipo de pecado, conforme a gravidade.
Barros Munhoz está enfrentando, pela primeira vez, situações inusitadas fora de casa. No inferno, ganhou destaque na mídia todos os dias - desde 11 de março - frequentando os grandes jornais, sites e televisão. A Folha de São Paulo foi a porta-bandeira. Escarafuncharam o inquérito que apura o desvio de verbas nos idos de 2001 e outros casos. No Céu, na terça, dia 15, ele foi reeleito presidente da Assembléia Legislativa com 92 votos, dos 94 possíveis.
Os inimigos itapirenses de Munhoz querem minimizar a conquista. Tentam passar a idéia de que para se chegar a um cargo desse porte, no Estado de São Paulo, basta distribuir alguns cargos da mesa ou quem sabe, prestar outros favores. Lamento, mas essas prendas não bastariam. Qualquer outro iluminado poderia conseguir a mesma façanha, se assim fosse. Por exemplo, no ninho partidário que habita, ele não tem o apoio majoritário. Contra si, teve nada mais nada menos do que o próprio governador. Alckmin, na tentativa de minar o principal escudeiro de José Serra atuante no Estado, testou três nomes alternativos. Acabou convencido de que o deputado de Itapira era o único do PSDB em condições de aglutinar a casa legislativa estadual. Teve que engoli-lo a seco.
A Folha pode até derrapar de vez em quando, mas leva o jornalismo a sério. Faz tempo. Não descarto, entretanto, uma mãozinha alckmista premeditada em cortar as asas de Munhoz e impedir possíveis maiores vôos. O processo que alimenta as matérias, salvo a minha ignorância ou memória desconcertada, pouco evoluiu nos últimos anos. Por que os casos não foram explorados pela grande imprensa, antes: na eleição anterior da ALESP ou nas eleições proporcionais do ano passado?
Outro ponto que
me causa espanto é que a tortura ao ex-prefeito é afiançada por um processo
judicial sigiloso. Cabe-me questionar: é lícita a quebra de sigilo? Ao que me
consta, apenas o juiz que determinou – ou o
tribunal que aprecia - pode revogá-lo. Não revogou. Mais o estranho é que eu
não vejo ninguém, aqui ou acolá, levantando a lebre. Pergunto lhes, pois: por
que tanta fanfarrice noutras ocasiões parecidas? Lembro-me que na ocasião dos
acessos indevidos aos dados da Receita, a imprensa caiu matando sob os
bisbilhoteiros e não divulgou nenhuma informação levantada. Corretamente,
protegeram as vítimas. Afinal, se Barros Munhoz é violado, quem terá esse
direito garantido? Um tonto poderia responder-me: quando é para o bem, não
importa a origem da informação. Esse tonto não deve saber o que é Estado de
Direito. Deve dar vivas às ditaduras. Ninguém deve ser condenado e execrado
publicamente, antes do julgamento. O princípio é constitucional. Tremo ao ver ameaçados os fundamentos
de existência e manutenção do Estado.
Outra questão que me incomoda é esse negócio de atribuir
às ações do Ministério Público e da Polícia Federal lampejos de perseguição
política. Político que não quer incômodo dessa natureza deve evitar a
alopração. Esse caso parece estar finamente recheado. Erra o MP apenas se
facilitou o vazamento das averiguações.
Além fronteira, Munhoz poderá sair fortalecido. Ao
receber o apoio de quase cem por cento dos deputados, apesar do tiroteio
pesado, pode ser considerado injustiçado e até receber um atestado de boa
conduta. Lembra do caso Sarney? Quem é a figura do PMDB mais influente, hoje?
Em Itapira pode ser diferente. A Folha, apesar de não ter
trazido grandes novidades, deu credibilidade ao que denunciou. Atributo que a
parcialidade da imprensa local não conseguiu. Prova disso, foi a larga votação
que Munhoz recebeu, por aqui, na última eleição. O rescaldo só será bem
avaliado nas próximas eleições. Barros Munhoz, na dúvida, deverá partir,
novamente, para a reconquista. Mas dessa vez, o uso da tecla costumeira poderá
não surtir o efeito desejado. Precisará de mais mudanças e muita criatividade.
Dante explica que toda alma pecadora que se arrepende tem direito ao purgatório. Pouco importa o tamanho do pecado cometido. Basta o arrependimento antecipado, antes do último suspiro. Pode até sair purificado, mas corre o risco de ficar esperando do lado de fora da porta de São Pedro. O tempo de espera poderá ser multiplicado por dezenas de vezes o tempo de vida na Terra.
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