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Itapira, 27 de Dezembro de 2024
Artigo
08/08/2013 | Padre Pires: Pedofilia na Igreja

Pe. Pires

 
As recorrentes notícias sobre pedofilia na Igreja têm causado constrangimento e mal estar entre os cristãos. Creio que o debate sobre o assunto, polêmico e doloroso, deve ser público e aberto, afinal todos os que participam da igreja católica são responsáveis tanto pelas suas virtudes como pelos seus pecados.
 
A pedofilia refere-se à atração sexual de adultos por crianças e adolescentes (efebofilia). A classificação internacional das doenças registra-a como um transtorno sexual quase que exclusivo dos homens. As explicações para este tipo de comportamento são várias: pode ser uma pessoa que apresenta insegurança e ansiedade em relacionar-se sexualmente com adultos e que, na relação com as crianças, sente que tem o controle e o poder em suas mãos. A figura da criança tem um valor emocional muito grande para o agressor e ele satisfaz sua imaturidade emocional, sua baixa auto-estima e seu desejo de ter o controle da situação.
 
Para se ter uma idéia da gravidade do problema desde 1997 a Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção a Infância e à Adolescência (Abrapia) possui um telefone para denúncias sobre violência sexual contra menores (0800-99.0500). Das milhares de denúncias comprovadas, 63% consistem em abuso sexual e 37% em exploração sexual. No caso do abuso 60% verificou-se dentro do lar da criança (pai, padrasto, tio).
 
Algumas pessoas acham que a imprensa age de forma sensacionalista quando o problema atinge padres. Mas temos de reconhecer que um assunto polêmico envolvendo uma instituição de peso que é a Igreja Católica desperta interesse, ou seja, é jornalístico. Hoje todos os setores sociais esclarecidos cobram transparência das instituições e das pessoas que exercem funções públicas e a Igreja não deve reivindicar privilégios. Acusar a imprensa é desviar o foco do problema, como estão fazendo muitos dos políticos enredados na corrupção.
 
Como explicar o envolvimento de religiosos num crime que causa repulsa e indignação? Não estaria a Igreja selecionando mal os seus membros? Acontece que, se a Igreja não pede atestado de santidade de seus membros, exige virtudes heróicas de seus padres, bispos e religiosos, entre elas a castidade, algo que nem Jesus pediu de seus apóstolos.
 
Nenhum ser humano é livre da pulsão sexual e clandestinizar a questão, como se todos os candidatos ao sacerdócio fossem anjos, é deixar correr por baixo uma energia que, se não for bem direcionada, acaba atingindo vítimas inocentes. Frei Beto comenta que seminaristas e padres são, como todos os seres humanos, héteros ou homossexuais. Como esperar que assumam o celibato como dom de Deus se não encontram em suas comunidades espaço de liberdade para conversar, sem culpa ou escrúpulo, sobre masturbação, atração, envolvimento afetivo e desvios sexuais? Cuidar melhor da formação dos padres é educá-los a preferir a oração ao violão, os livros de teologia às novelas da TV e a opção pelos pobres em vez do status clerical como trampolim ao poder. 
 
O que a Igreja quer, tanto dos padres pedófilos como de qualquer cidadão que cometa delitos é a recuperação. Todo ser humano, seja qual for o crime que tenha cometido, tem o direito de ter a oportunidade de se regenerar e a Igreja deve ser a primeira das instituições que tem a obrigação de lutar para que este direito seja oferecido a todos sejam eles padres, católicos, crentes ou ateus.
 
Talvez onde a Igreja cometa equívocos seja, ao constatar a prática pedofílica de algum padre, transferi-lo de paróquia como se isso resolvesse o problema. Não se pode deixá-lo numa situação onde as oportunidades de reincidência sejam favorecidas. D. Angélico Sândalo Bernardino, bispo emérito de Blumenau declarou que a pedofilia é crime e dever ser punida como tal, só que a igreja não vai entregar um filho seu para a promotoria. Seria a mesma coisa que pedir a um pai que entregue a polícia o filho que é usuário de cocaína. O que ele precisa é de tratamento e não de castigo. No caso dos padres pedófilos, se eles se recuperam têm o direito de voltarem ao ministério, caso contrário deverão ser convidados a se licenciarem do sacerdócio. Mas mesmo nestes casos não deverão ser abandonado pela igreja.
 
Se a Igreja acolhe com compreensão e perdão os padres culpados as vítimas devem merecer tanta ou mais atenção. A Igreja tem a obrigação moral de dar todo apoio a elas e às suas famílias, sejam padres ou não os responsáveis pela agressão. Apoio religioso, moral, fraterno e médico, arcando inclusive com os custos de tratamentos especializados caso estes se façam necessários. 
 
Nossa sociedade, cansada da violência e da impunidade, clama por sangue. O cristianismo nos indica o caminho do perdão e reconciliação. João Paulo II escreveu “Não devemos esquecer que a reconciliação com Deus tem como conseqüência outras reconciliações capazes de remediar as rupturas ocasionadas pelo pecado: o penitente perdoado reconcilia-se consigo mesmo no íntimo mais profundo de seu ser, onde recupera a própria verdade interior, reconcilia-se com os irmãos que de alguma maneira ofendeu e feriu; reconcilia-se com a Igreja e reconcilia-se com toda a criação” (Exortação apostólica ‘Reconciliatio et poenitentia’ 2 de dezembro de 1984, no. 31).
 
Geralmente é constrangedor e difícil falar sobre a sexualidade humana, principalmente entre os católicos. Mas é uma tarefa necessária e fundamental. A Igreja lida muito mal com esta questão, tanto no que se refere aos seus clérigos como à humanidade em geral. O discurso oficial aborda comportamentos e paradigmas de uma sociedade patriarcal, fundamentada em modelos hoje questionáveis e em acelerada mudança. Ainda não digerimos bem os avanços do feminismo, dos novos costumes sexuais e das novas formas constitucionais da família. No afã de denunciar a pornografia e a erotização precoce das crianças (o que é justo e necessário) nivela-se por baixo e fazem-se condenações generalizantes. É aquela história de jogar a água suja do banho com o bebê junto.
 
A pedofilia e a prostituição infantil devem ser combatidas assim como todas as práticas que atentam contra o ser humano. Mas a história mostra que já queimamos gente demais nas fogueiras da punição. Santo Agostinho diz que “Se na Igreja não existisse a remissão dos pecados não existiria nenhuma esperança e nenhuma perspectiva de uma libertação eterna. Rendamos graças a Deus que deu á sua Igreja tal dom” (Sermões 213,8).
 
Devemos lutar contra a pedofilia tanto na sua manifestação sexual como em outras mais insidiosas. Os políticos que desviam dinheiro da merenda escolar são pedófilos sociais assim como o são os que exploram a mão-de-obra infantil e os que usam as crianças em comerciais para vender produtos nocivos e de qualidade altamente duvidosa.
 
A melhor prevenção contra padres pedófilos é a participação intensa dos fiéis na vida e no comportamento de seus párocos e vigários. Aproximem-se de seus padres, não se intimidem com caras feias e mal-humores, sejam amigos e participantes de suas vidas, suas alegrias e tristezas, suas esperanças e sofrimentos, suas virtudes e carências. Eles estão a serviço do povo de Deus e são mantidos por ele que pode e deve ser mais presente nas suas vidas. São João da Cruz (dichos no. 640) diz que: “no ocaso de nossas vidas seremos julgados quanto ao amor”.
 
Na Oração da missa do 26o. Domingo do Tempo Comum rezamos “Deus, Qui omnipotentiam tuam parcendo máxime et miserando manifestas” (Ó Deus, que manifestais o vosso poder sobretudo na misericórdia). Façamos essa oração por todas as vitimas dos padres acusados de pedofilia e também por eles. Afinal, Jesus disse: “Eu não vim para os santos, mas para os pecadores. Os sãos não precisam de médico, e sim os enfermos” (Mt 9,12) e em outra oportunidade: “Quem não tiver pecado que atire a primeira pedra” (Jo 8,7).
 
Fonte: Padre Pires

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