ANDRÉ MONTEIRO
DE SÃO PAULO
O avião que fazia o voo 447 da Air France bateu no oceano Atlântico a uma velocidade de cerca de 200 km/h, segundo relatório preliminar divulgado nesta sexta-feira pelo BEA --órgão do governo francês responsável pela investigação do acidente. A tragédia ocorreu em 2009, durante o trajeto Rio-Paris, e causou a morte dos 228 ocupantes.
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Segundo o relatório, entre as 22h59 e as 23h01 (horário de Brasília) do dia 31 de maio, o comandante do avião, Marc Dubois, estava na cabine do Airbus A330 e ouviu a conversa entre os copilotos David Robert e Pierre-Cedric Bonin.
Um deles diz: "O pouco de turbulência que você acabou de ver (...) devemos encontrar outras mais à frente (...). Estamos na camada, infelizmente não podemos subir muito mais agora porque a temperatura está diminuindo menos rapidamente do que o esperado". Em seguida, Dubois deixou a cabine. No relatório, o BEA não detalha quais atitudes foram tomadas por quais pilotos.
Segundo o BEA, o relatório descreve "de maneira factual a sequência dos acontecimentos que levaram ao acidente". As primeiras análises definitivas serão apresentadas somente no fim de julho. "Só depois de um trabalho longo e minucioso de investigação é que as causas do acidente serão determinadas e as recomendações de segurança serão emitidas, o que é a principal missão do BEA", informou o órgão.
VEJA COMO FORAM OS ÚLTIMOS MINUTOS DO VOO 447:
23h06min04s: o primeiro copiloto chama os comissários de bordo e diz: "Em dois minutos devemos chegar a uma área mais agitada do que agora e devemos tomar cuidado lá". Ele acrescenta: "Eu aviso logo que sairmos de lá".
23h08min07s: o segundo copiloto propõe ao que pilota: "Você pode, possivelmente, levar um pouco para a esquerda". A aeronave começa uma ligeira virada para a esquerda --um desvio de cerca de 12 graus em relação à rota inicial. O nível de turbulências aumenta ligeiramente, e a tripulação decide reduzir a velocidade.
A partir das 23h10min05s, o piloto automático é desativado e o copiloto diz: "Eu tenho os comandos". O piloto automático permanecerá desligado até o final do voo.
A aeronave se inclina para a direita, e o copiloto faz uma manobra à esquerda e tenta elevar o nariz. O alarme de "stall" (perda de sustentação aerodinâmica) dispara duas vezes.
Neste momento, os dados registrados na caixa-preta mostram uma queda acentuada na velocidade medida no lado esquerdo do avião pelo PFD (primary flight display) --de 275 nós (509 km/h) para 60 nós (111 km/h). Momentos depois, a mesma queda é mostrada no painel pelo ISIS (Integrated Standby Instrument System). A velocidade medida no lado direito do avião não foi registrada pela caixa-preta.
Às 23h10min16s, o segundo copiloto diz: "Perdemos as velocidades" e, em seguida, "alternate law". O "alternate law" indica que o fly-by-wire --sistema computadorizado que controla as superfícies móveis do avião-- foi desabilitado.
A inclinação do nariz da aeronave aumenta gradualmente para acima de 10 graus e leva o Airbus a uma trajetória ascendente. O copiloto realiza ações para abaixar o nariz do avião e manobras de inclinação alternadas à direita e à esquerda.
A velocidade de queda, que havia atingido 7.000 pés por minuto (128 km/h), cai para 700 (12,8 km/h). A inclinação varia entre 12 graus à direita e 10 graus à esquerda. A velocidade medida pelo PFD esquerdo aumenta brutalmente para 215 nós (398 km/h). A aeronave se encontra, então, a uma altitude de cerca de 37,5 mil pés (11.430 metros), e a inclinação do ângulo de ataque, ângulo entre o vento relativo e o eixo da asa da aeronave, é de cerca de 4 graus.
O copiloto chama o comandante à cabine diversas vezes a partir das 23h10min50s.
23h10min51s: o alarme de "stall" soa novamente. Os manetes do avião são colocados na posição "TO/GA" e o piloto faz manobras para levantar o nariz. O ângulo de ataque, que estava em 6 graus quando o alarme soou, continua a aumentar. O estabilizador horizontal (THS) passa de 3 para 13 graus em cerca de 1 minuto, e permanecerá assim até o fim do voo.
23h11min06s: a velocidade mostrada no painel do ISIS aumenta abruptamente para 185 nós (343 km/h), e é a mesma registrada pelo PFD esquerdo. O copiloto continua efetuando manobras para levantar o nariz. A altitude da aeronave atinge o máximo, 38 mil pés (11.582 metros), e o ângulo de ataque está em 16 graus.
23h11min40s: o comandante Marc Dubois retorna à cabine. Em seguida, todas as indicações de velocidades se tornam inválidas e o alarme de "stall" para de soar.
Segundo o BEA, quando as velocidades medidas são inferiores a 60 nós (111 km/h), as medições do ângulo de ataque são consideradas inválidas e não são considerados pelo sistema de voo. Quando são inferiores a 30 nós (55 km/h), os próprios valores de velocidade são considerados inválidos.
Neste ponto, o Airbus está a uma altitude de 35 mil pés (10.668 metros), o ângulo de ataque supera os 40 graus e a velocidade de queda é de cerca de 10 mil pés por minuto (183 km/h). A inclinação do nariz não passa dos 15 graus e a rotação dos motores está perto de 100%. A aeronave sofre oscilações de inclinação lateral que chegam a 40 graus. O piloto aciona o manche no limite para a esquerda e tenta levantar o nariz por cerca de 30 segundos.
23h12min02s: o piloto diz: "Eu não tenho mais nenhuma indicação", e outro responde: "Não temos nenhuma indicação que seja válida". Neste ponto, os manetes estão na posição "Idle", e a rotação dos motores está em 55%. Cerca de 15 segundos depois, o piloto faz manobras para abaixar o nariz. Nos instantes que se seguem, o ângulo de ataque cai, as velocidades tornam-se novamente válidas e o alarme de "stall" é reativado.
23h13min32s: o piloto diz: "Vamos chegar ao nível 100". Na aviação, a altitude é indicada em níveis de centenas de pés --o nível 100 se refere a 10 mil pés (3.048 metros). Cerca de 15 segundos depois, são registradas manobras simultâneas do piloto e do copiloto nos manches, e um deles diz: "Vamos lá, você tem os comandos". Os valores do ângulo de ataque, quando válidos, estão sempre acima de 35 graus.
Os registros param às 23h14min28s. Os últimos dados registrados pela caixa-preta são de 16,2 graus de elevação do nariz, inclinação lateral de 5,3 graus à esquerda, rumo magnético de 270 graus e velocidade vertical de 10.912 pés por minuto (200 km por hora).
REPORTAGENS
O anúncio do BEA ocorre após pressão feita pela imprensa internacional na última semana, quando foram publicadas reportagens com especulações sobre as causas do acidente.
Após o resgate das caixas-pretas e a confirmação de que os dados do voo poderiam ser lidos, os investigadores franceses haviam informado que a análise do material duraria meses.
O jornal francês "Le Figaro" informou que a análise preliminar das caixas-pretas do Airbus apontava para um erro dos pilotos como motivo do acidente. O BEA desmentiu as informações, mas resolveu antecipar a divulgação dos primeiros dados recuperados.
No domingo (22), a revista alemã "Der Spiegel" noticiou que o avião sofreu uma parada súbita provocada por gelo acumulado nas sondas de velocidade Pitot e que o comandante do voo, Marc Dubois, não estava na cabine na hora do acidente. O sindicato de pilotos da Air France rechaçou as reportagens.
Johann Peschel/Bea/Ecpad/France Presse | ||
Uma das turbinas do Airbus A330 da Air France foi retirada do fundo do mar; veja outras fotos |
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