Por HUMBERTO BUTTI
‘Noventa milhões em ação, pra frente Brasil, do meu coração. Todos juntos vamos, pra frente Brasil, salve a seleção’. O refrão da música criada por Miguel Gustavo Werneck de Sousa Martins para a participação do Brasil na Copa de 70, no México, retratava perfeitamente o espírito do brasileiro na época.
Hoje o país está perto de bater na casa dos 200 milhões de habitantes mas, talvez, nem a metade te¬nha o mesmo espírito de 70, quando a seleção co¬mandada por Mário Jorge Lobo Zagalo e que tinha, entre outros, Pelé, Jairzinho, Rivelino, Tostão, Gerson, Clodoaldo e Carlos Alberto, conquistou o tricampeonato. Os tempos são outros, o pensamento do brasileiro é outro e o futebol também.
Apesar de continuar sendo uma das paixões nacionais, o futebol já não desperta o espírito nacionalista na população. A pouco menos de 20 dias para o início de mais uma Copa e desta vez em gramados brasileiros, são poucas as pessoas que se mostram ansiosas para o início da competição.
Mas, o que mudou? O que leva o torcedor a não ser como em outras copas? Seria o futebol da seleção, os 23 convocados ou a atual forma de pensar da maioria, hoje mais politizada e informada?
Para o comerciante Sidnei Toledo, 62, um pouco de cada um desses itens. Toledo acompanha as copas desde 70, quando o brasileiro pôde ver os jogos pela primeira vez ao vivo pela TV. “A atual situação política fez o pensamento das pessoas mudar e isso nós vimos nas manifestações contra os gastos com a Copa”, diz. “Também faltam ídolos na seleção, que só tem o Neymar. Falta um time que empolgue o torcedor”.
Aos nove anos, Toledo era auxiliar na loja de sapatos da família Nicolai na rua José Bonifácio e lembra bem das vezes que via uma multidão de pessoas se dirigir à loja só para ver um homem alto que vinha visitar a irmã. “Eu sabia que era o Bellini, que ele era jogador e famoso, mas não tinha a noção do quanto ele era famoso”, lembra. “Hoje entendo isso e vejo a diferença para os atuais ídolos”.
O promotor de justiça André Luiz Brandão, 47, vê os Mundiais desde 74 e concorda com Toledo. “O brasileiro está dessa forma porque não concorda com a forma utilizada para a construção dos estádios para a Copa”, entende. “Ninguém sabe para que irão servir estádios dessa grandeza em cidades como Cuiabá ou na Amazônia, por exemplo, locais sem tradição no futebol”.
Sem entrar no mérito da questão, Brandão comparou os gastos dos estádio do Grêmio com o de Brasília para exemplificar seu pensamento. “A disparidade é muito gran¬de, os valores investidos também”, diz.
Desestímulo
Para o contabilista Rodrigo Vilela Sartorelli, 43, o desinteresse pela seleção vem desde 2006. “Vejo as Copas desde 82, mas a partir de 2006, quan¬do foi aquela bagunça na preparação e um gasto enorme, passei a me desinteressar”, frisa. “Em 2002 vibrei muito com a seleção, mas em 2010 nem saí do escritório para ver os jogos”.
Sartorelli entende que a atual situação do país também contribua para essa mudança. “Todo mun¬do sabe que falta saúde, educação e segurança para a população e vê os gastos exorbitantes para a construção de estádios, isso já não passa despercebido”, explica. “O povo não é mais bobo e não concorda com isso”.
O publicitário Carlos Alberto Scarhfone, 47, também credita à desestruturação da família esse desinteresse. “Hoje não tem mais o pai que compra uma TV nova e coloca toda a família na frente dela para ver a Copa”, diz. “Hoje, o pai é sãopaulino, um filho torce para o Corinthians, o outro para o Palmeiras, mas nenhum sabe a escalação do seu time do coração”.
Para Scarhfone falta identificação do jogador com o clube. “Os jogadores saem do país antes mesmo de jogar em um clube, aparecem lá fora e são convocados”, explica. “Tem jogador convocado que o torcedor nem sabe quem é”.
O técnico em eletrônica Hélio Margioto de Aguiar, 30, vê os jogos das Copas desde 90 e tem uma visão realista para o descaso da população. “Em 50, quando a Copa foi realizada no Brasil, acredito que o povo não tinha a consciência que tem hoje, não se importava com o que estava sendo gasto”, frisa. “Hoje todo mundo está mais informado, mas antenado nos fatos e não aceita esse tipo de coisa”.
O que eles pensam
“As descobertas de desvio de dinheiro e de super faturamento para as construções das Arenas, onde serão disputados os jogos da Copa do Mundo, desmotivaram o povo brasileiro, que necessita de uma melhor educação, saúde, transporte e segurança. Além disso, o futebol vem perdendo seu brilho pelo lado obscuro de contratações de jogadores e interferências de patrocinadores na convocação de atletas para defender a Seleção Brasileira” – Marcelo Gotti (editor de Esportes do jornal A Comarca de Mogi Mirim)
“Nos últimos anos, convivemos com ídolos enlatados que foram brilhar lá fora. A nossa Seleção perdeu totalmente a relação com o seu torcedor, pois preferiu adotar como casa estádios europeus, razão que hoje me sinto muito mais torcedor do meu clube de coração do que do time que irá defender o país. Sem falar que o país está numa penúria política que só mesmo uma ‘revolução’ será capaz de trazer de volta o verdadeiro amor à pátria” – Paulo Henrique Tenório (editor-chefe do jornal O Impacto e da TV O Impacto de Mogi Mirim)
“Ainda temos na memória a boa lembrança que a Seleção nos deixou na Copa das Confederações, creio que temos um bom time, com uma grande dependência de Neymar. Somos um dos favoritos, mas para nós qualquer resultado que não seja o título será um desastre. O brasileiro, apesar de ser fanático por futebol, não vê com bons olhos o emprego do dinheiro público na construção de estádios, alguns não terão serventia nenhuma após a Copa. Além do que o legado que a Copa vai deixar é quase nulo, as obras prometidas não ficaram prontas para a Copa e ninguém sabe quando irão terminar. Demorou, mas o povo, entendeu que é melhor ter escolas, hospitais,estradas e aeroportos ao invés de futebol” – Rosário Cicotti (editor de Esportes do jornal A Cidade)
“Estou em contagem regressiva para a Copa, assim como muita gente, mas ao mesmo tempo preocupado com que pode acontecer, principalmente no que diz respeito à criminalidade” – João Roberto Panizola, o JP (chefe de Esportes da Rádio Clube de Itapira)
“Nasci em 1986, aprendia a andar em 1990 e minha primeira memória de Copa do Mundo é a de 1994, quando saí em carreata com meu tio e primos, para celebrar, em meio ao povo, o tetra. Vinte anos depois, a paixão do brasileiro pela Seleção é muito diferente. Já não choro mais pelas derrotas, já que penso no quanto a CBF fatura com a nossa diversão e, assim como outros boleiros, torço mais pelo meu clube do coração do que pelo selecionado nacional” – Lucas Valério (setorista de Esportes do jornal O Impacto e da TV O Impacto de Mogi Mirim)