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Itapira, 20 de Abril de 2025
Notícia
27/06/2013 | Ediano Prado: Das recentes manifestações e suas consequências

 

Ao longo das últimas semanas, as manifestações que ocupam logradouros públicos das cidades brasileiras provocam as mais disparatadas reações e interpretações. Multidões que sinalizam se constituir não meras somatórias de indivíduos, mas conjuntos de cidadãos. Multidões que bradam sua indignação, que levantam inúmeras bandeiras, por vezes, desencontradas, mas convergindo, quase sempre, nos seguintes pontos: a melhoria da qualidade dos serviços públicos (saúde, educação, transporte, saneamento, segurança, lazer, cultura, etc.); o combate à corrupção empreendida por uma classe política acanalhada, submissa aos desígnios da elite e do capital financeiro internacional e indiferente aos anseios populares e a defesa de ampla reforma política, dada a evidente falência do sistema político e partidário brasileiro como esfera que contemple efetivamente a participação popular. Analisar a abrangência dessas manifestações, suas causas e suas consequências exigiria um distanciamento crítico, e, sobretudo, temporal. De pronto, só podemos recorrer a especulações e frisar aspectos evidentes por si mesmos.
 
Os aspectos evidentes por si mesmos são a espontaneidade do movimento, sua desvinculação de bandeiras partidárias e sua polifonia, ou heterogeneidade de vozes. O movimento iniciado pela oposição à elevação das tarifas do transporte coletivo ganhou corpo e consistência graças ao manuseio das novas mídias (internet). Mídias estas que fragilizaram as peias do monopólio e manipulação ideológica das grandes empresas de telecomunicação. Desvinculadas das tradicionais palavras de ordem partidárias, essas mobilizações sofreram, de início, descaso e repressão, tanto dos chamados governos de direita como dos governos de esquerda. Consistentes foram, a posteriori, assediadas por esses governantes. Foram assediadas pelo arrivismo da direita tucana, ansiosa por apropriar-se das repercussões do movimento, numa tentativa de ganhar forças na oposição ao governo de Dilma Rousseff. Foram assediadas e desqualificadas pelo maniqueísmo petista, pelos militantes de carteirinha que repetem chavões e desprezam tudo aquilo que não corresponde à sacralização do “lulismo”. Manifestantes petistas que, outrora vinculados e filhos dos movimentos sociais, hoje, desprezam o povo como massa ignorante carente de lideranças iluminadas pelos conceitos marxistas. Direitistas e esquerdistas perplexos não perceberam que a essência mesma desses movimentos espontâneos é a denúncia do malogro dessa tradicional ordem de coisas onde os partidos se arrolam como adversários não pela defesa de programas de transformações, mas pelas veleidades de permanência no poder. Os manifestantes denunciam que a polarização entre direita e esquerda, na política, deixou de existir. Evidenciam que a classe política é homogênea e que os políticos, independentemente das siglas, recorrem aos mesmos expedientes para ludibriar o eleitorado e para empreender a malversação do erário público. Se por um lado, o tucanato pesedebista reproduz o paternalismo populista, o petismo/lulismo institucionalizou esse mesmo paternalismo, na forma de programas sociais que disfarçam as mazelas, sem equacioná-las. O lulsimo/petismo não promoveu as prometidas reformas estruturais da sociedade, antes adotou os princípios do maquiavelismo para alcançar governabilidade, através de conluios e alianças comprometedoras. Na sua espontaneidade, alienados ou conscientes, os manifestantes de rostos pintados e com a bandeira brasileira como símbolo bradam retumbante que no Brasil tudo muda para permanecer o mesmo.
 
Contra a mesmice, contra um pluripartidarismo promíscuo de siglas de aluguel e mercancia ideológica, os manifestantes das mais diversas procedências sociais gritam pela moralização na gestão da coisa pública. Estudantes secundaristas e universitários, professores, trabalhadores assalariados e liberais, estratos das camadas baixas, médias e altas sinalizam a necessidade de mudanças. Mudanças efetivas na condução das finanças públicas, mudanças efetivas na sociedade e mudanças nos paradigmas de interpretação da realidade e das forças sociais em conflito ou contato. Sociologicamente, cabe reconhecer, na sociedade brasileira, um recrudescimento das contradições do capitalismo, com as inovações técnicas, a reestruturação produtiva e a precarização do trabalho. Cabe reconhecer o aprofundamento da simbiose entre posse de latifúndio, detenção de capital e monopólio do poder político. Cabe reconhecer os impasses institucionais e, mesmo, um arremedo espúrio de estado de bem estar social do lulismo/petismo. Todos esses aspectos e outros acenam para uma realidade com novos atores sociais insatisfeitos com o caráter barroco de nossa sociedade. Insatisfeitos com as contradições de uma sociedade que se caracteriza como estranha enxertia entre o moderno e o arcaico, onde o novo se afirma, mas se afirma prenhe do arcaico; onde a cidadania não é conhecida na sua essência, mas ditada como concessão das camadas dominantes. Cidadania incompleta, em que os direitos sociais não são apropriados como direitos pela população.
 
Os movimentos recentes correspondem, a meu ver, a um processo de luta pela apropriação dos direitos constitucionalmente assegurados, de construção da cidadania. Cidadãos reunidos em praça pública constituem o povo, o povo soberano, ator da democracia participativa. O coro entoado pelo povo não é uníssono, mas polifônico. Multidão uníssona é rebanho. O povo é polifônico, na interação e no debate são construídos os projetos de transformação e a consciência cívica. Neste sentido, podemos especular novos horizontes. Os resultados profundos podem não se apresentar de imediato, pois encontraremos retaliações e assédios atraentes, nos depararemos com expedientes sorrateiros dos governantes e amargaremos os percalços da construção de uma verdadeira cidadania. Os resultados imediatos podem sofrer uma guinada conservadora, mas as consequências de longo prazo não. A experiência será gravada na memória e constituir-se-á em alimento de uma nova consciência.
 
À guisa de conclusão, podemos afirmar, de forma otimista, que o homem brasileiro, secularmente preso à canga da resignação e à cadeia do paternalismo, tem assumido a sua autonomia, rompendo o aguilhão da prepotência. O homem brasileiro, não obstante os críticos afirmem ser o movimento expressão apenas das camadas médias e letradas, a partir de então, não mais engolirá os laivos de uma invisível indignação na forma de um berro bovino. O homem aprendeu a bradar sua indignação e insatisfação como um cidadão, no espaço onde a definição de cidadania foi forjada, na praça pública.
 
 é mestre em sociologia.
 
Fonte: Ediano Dionísio do Prado

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