Os maus presságios causados pela pior estiagem das regiões sudeste e centroeste nos últimos setenta anos tem causado uma correria atrás de um tipo de serviço que exige bastante qualificação, a abertura de poços artesanais (os chamados poços caipira) e profundos, classificados como semi-artesiano e artesiano. Por toda a cidade tem aumentado este tipo de benfeitoria. O problema é que existem bem poucos profissionais da área .
Segundo Mauro Aparecido Alves de Godoy, especializado em poços caipira, já não tem como pegar nenhuma nova empreitada. “Por causa da seca, tenho recebido muitos pedidos para aumentar a profundidade dos poços, exatamente porque muitos deles secaram”, relatou. Godoy conta que por conta deste tipo de atendimento, tem deixado de lado os poços novos. “Tenho muitos pedidos. As pessoas entendem que não se trata de um serviço que se realiza de um dia para o outro e por isso tem paciência”, comentou. Ele trabalha com mais dois ajudantes e nem isso alivia o serviço. “Estou numa fase em que tenho serviço de segunda a segundo se eu quiser”, garantiu. Além de perfurar o poço em si, ele faz o trabalho de alvenaria, drenagens e até fossas assépticas.
Há 18 anos trabalhando nisso, ele diz que não se recorda de uma estiagem destas proporções e que acha natural que as pessoas fiquem assustadas. “Ninguém pode ficar sem água. É um aperto só”, comenta.
Já o empresário Francisco Lima, 55, é especializado na perfuração de poços profundos. Consta no portfólio de sua empresa (FP Poços) poços de indústria como Nutron, Estrela e de várias chácaras de recreio em Itapira e também em toda região. A vazão e a profundidade variam, segundo comentou, de acordo com o local onde a perfuração é feita. “Já cheguei a perfurar posto com quase 400 metros para encontrar água”, diz.
Lima ensina que o que diferencia um poço artesiano de um poço semiartesiano é um típico lance de sorte. Denomina-se poço artesiano aquele cuja pressão traz a água até a superfície sem necessidade de utilização de uma bomba. “Isto é muito raro de acontecer. Para você ter uma ideia, em 18 anos neste ramo somente uma vez consegui achar um veio de água com estas condições”, registrou. Aqueles poços profundos que precisam de bombas são chamados de semiartesianos.
Formado em Tecnologia de Recursos Hídricos, Lima disse que esta é uma atividade que exige muita tecnologia para ser bem sucedida. Ele fala que os poços que não exigem perfurações em grandes profundidades são resultantes de água armazenada logo acima de rochas e que vem daí a limitação de seu alcance. “Em tempos de estiagem brava como esta fica mais difícil extrair a água de locais onde ela provavelmente já se infiltrou em camadas inferiores do solo. Quando os equipamentos que fazem estes poços de menor profundidade encontram material rochoso, via de regra não conseguirão obter a água. Não por acaso muitos deles já estão secos”, observa.
Francisco Lima disse que tem pelo menos 32 clientes na fila de espera por um poço novo e diz que os interessados deverão ter paciência. Pelo ritmo que opera, consegue fazer de dois a três deles por mês. “Um poço demanda um certo tempo para ser perfurado e depois ser colocado em condições ideais de uso. Na prática é como uma obra de construção civil”, avisa. Ele também engrossa o coro dos que estão inconformados com a atual estiagem. “É um fenômeno que seguramente ocorre a cada período de 80 anos, mas que existe. O ser humano deve aprender com ele”, recomenda.
O aquecimento de sua atividade reflete também em outros setores, como atesta o empresário William Santa Luzia, 35, dono da Mecânica Tawita, no Distrito Industrial Carlos Ionezawa. Ele constrói as plataformas onde serão fixadas as enormes perfuratrizes utilizadas por Lima. Santa Luzia explica que conforme a profundidade atingida pelo equipamento, maior também é a estrutura a ser montada. “Chegamos a fazer estrutura que são muito pesadas”, admitiu
Corrida
O professor e doutor em geologia Erasto Boretti de Almeida, uma das grandes autoridades brasileiras no assunto, também defende que a sociedade de uma forma geral aprenda com os efeitos de um período de estiagem como este que estamos vivenciando. Ele nota que a corrida para perfuração de poços verificada em todo o Estado de São Paulo é um sintoma evidente da cultura do improviso que segundo ele acomete principalmente os agentes públicos. “Tenho notado sim que de repente muita gente passou a querer um poço artesiano, com medo de ficar sem água. Noto também que muitas prefeituras também têm contratado obras deste tipo. É uma solução paliativa que evidentemente é muito bem vinda neste momento de grave crise hídrica. Bastará que as chuvas retomem seu ciclo normal que tudo isso acaba caindo no esquecimento. Este é o erro. Na crise energética de 2001, nunca se vendeu tanto gerador de energia. Reestabelecida a normalidade, isso também acabou sendo relevado a um plano secundário. É uma pena que muitas pessoas ainda ajam por impulso, pelas necessidades do momento, quando o planejamento, o estudo detalhado de cada situação, é que deve prevalecer”, analisou.
Apesar de itapirense de nascimento, Erasto Boretti está radicado em São Paulo há varias décadas e eventualmente vem descansar aqui na cidade, onde possui uma propriedade na zona rural. Ficou feliz ao saber que o município está investindo numa represa. “É uma obra indispensável que entre outros benefícios, tem o condão de normalizar os reservatórios subterrâneos”, acredita.
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