Certamente já ficamos sabendo do desfecho traumático do caso dos moradores do Pinheirinho em São José dos Campos. A polícia fez cumprir os direitos do proprietário do terreno, seguindo determinação judicial do tribunal paulista, que estipula, dentro do sistema jurídico vigente, como deve ser a ordem social em diferentes realidades.

            Neste sentido, vou concordar com aqueles que debateram que a questão não era a moralidade do dono das terras. Não podemos enfrentar o problema sob a ótica de que se o dono for “bonzinho” ele deve ser restituído, se for “do mal” deve perder seus direitos. É a velha discussão de que o problema do socialismo, por exemplo, era o autoritarismo, sendo que um regime político democrático bastaria para sanar os percalços do socialismo, pois o realizaria na essência.

            Nosso problema, desta forma, não é a idoneidade de cada um dos lados. Certamente, existem muitas pessoas “do bem” entre os moradores, gente séria, trabalhadora, que apenas deseja que os parágrafos da constituição sejam cumpridos no que se refere à igualdade de oportunidades e no sentido de se proporcionar condições dignas e de cidadania para todos e todas. O problema não é moral, é social. Não existem possibilidades de integração social harmônica como preconizava Durkheim, pois as relações sociais são tecidas na base do enfrentamento, do conflito, do antagonismo.

            Diante disto, muitos comentam que o problema é que o governo não rege políticas públicas adequadas que permitam uma vida mais plausível, de acordo, inclusive, com os parâmetros dos direitos civis, políticos e sociais. Gostaria de discordar, pois as coisas não funcionam de forma tão linear e orgânica. A sociedade é contraditória, repleta de conflitos de interesses, entrecortada por antagonismos que opõem classes e que, no fundo, se expressam na forma de organização política, reproduzindo as próprias relações sociais vigentes.  (continua)

Flavio Eduardo Mazetto (cientista político e professor) [email protected]