Quando eu era criança, na ampla cozinha da casa dos meus avós paternos, sobre o parapeito de uma enorme janela, havia um rádio de madeira, à válvula, que ficava ligado praticamente o dia inteiro. Na antiga Rádio Difusora de Poços de Caldas havia um radialista que tomava emprestado o bordão do extinto ‘Repórter Esso’ dizendo ser ele também uma testemunha ocular da história. Usava esse bordão para dar as notícias do Brasil e do mundo, com um certo ‘delay’ é verdade, se comparássemos com a instantaneidade dos noticiários de hoje. Relembro esses bucólicos dias da minha infância para dizer que a Igreja Presbiteriana Central de Itapira, do alto dos seus venerandos 146 anos, também pode-se considerar uma autêntica testemunha ocular da história. Ela já estava presente e atuante em Itapira (Antiga Penha do Rio do Peixe), quando o Império caiu e a República foi instalada provisoriamente em 1889. Nesse mesmo ano ela assistiu, sofreu e serviu durante o surto de febre amarela que varreu a região de Campinas e parte do Sul de Minas. Nos anos de 1918-1919 as “damas da misericórdia”, mulheres ligadas à Igreja Presbiteriana, participaram de campanhas para prover material de cama e banho durante a pandemia da gripe espanhola para os improvisados hospitais da região. Os pastores daqueles dias sepultaram os mortos e confortaram as famílias mesmo que não professassem a fé evangélica, ainda que os protestantes não fossem muito considerados naqueles dias de catolicismo tridentino. A Igreja Presbiteriana Central de Itapira viu eclodirem as duas grandes guerras mundiais, de 1914-1918 e 1939-1945, a revolução de 1932, a era Vargas, 1930-1945, a ditadura militar de 1º de abril de 1964 a 15 de março de 1985, para ficarmos por aqui. Quando os primeiros irmãos da Assembleia de Deus chegaram ao Brasil, note bem, ao Brasil, em 19 de novembro de 1910 com os missionários suecos Gunnar Vingren e Daniel Berg, já fazia 36 anos que os crentes presbiterianos de Itapira se reuniam em adoração, evangelizavam e serviam a esta cidade e toda região. 146 anos se passaram e agora, mais uma vez, em um dos momentos mais delicados da história da humanidade, em meio e essa pandemia da Covid-19, a Igreja Presbiteriana Central de Itapira vê outra vez a história sendo escrita diante de seus olhos. Uma verdadeira mudança de época se avizinha com a nova normalidade que vai chegar e os presbiterianos continuam a dar o seu testemunho de Cristo. E como isso é efetivamente feito? Primeiro, não negociando e não abrindo mão de nossa sublime vocação, adorar. Pode parecer a muitos que o primeiro dever da igreja é a missão ou o serviço, mas não é. A igreja foi constituída antes de qualquer outra coisa para adorar a Deus, para amá-lo, para oferecer a Ele ações de graças, louvores, bendições, o próprio coração, enfim. Os cultos continuaram, de maneira adaptada é verdade, não na condição desejada ou ideal, mas naquela possível e por isso mesmo, necessária. Os recursos quase inesgotáveis da internet foram utilizados para que a adoração se mantivesse vívida nos corações crentes. Os membros foram desafiados, instruídos e comissionados para interceder pelo país, pelas autoridades, pelos profissionais da saúde, pelos acometidos dessa terrível enfermidade e buscaram o consolo e o conforto do Senhor para os enlutados. Fizeram jejum e confessaram os seus pecados a Deus com a boa consciência de que nada merecemos e a nossa esperança está em Deus usar de misericórdia para conosco. Em segundo lugar a igreja mobilizou-se em várias frentes, na maioria das vezes, de maneira espontânea e voluntária por parte dos seus membros. Donativos foram recolhidos, cestas básicas distribuídas, máscaras, muitas máscaras foram confeccionadas para os hospitais, casas de recuperação, asilos e outras instituições. Os pastores se mantiveram ativos, visitaram os enfermos, o grupo de risco, e ofereceram apoio, encorajamento e conforto nos dias mais duros do isolamento social. Também sepultaram os mortos e oraram em velórios pelos enlutados. Tudo com todos os protocolos observados, mas sempre na dependência e sob a proteção de Deus. A pandemia não cedeu, dias duros e difíceis ainda estão por vir e, pela misericórdia de Deus, a Igreja Presbiteriana estará lá, com esse ou outro pastor, mas ela estará lá quando o tempo ‘do recomeço’ chegar. Quando os pobres emergirem das dificuldades financeiras e econômicas vindas no rastro da pandemia, a igreja se fará presente para minorar o sofrimento, alimentar os famintos e cuidar das feridas. Quando a maré baixar e revelar a nudez daqueles que sobreviverem a esse tsunami pandêmico, a IPCI estará lá para vestir os nus e agasalhar no frio. Quando pudermos sair sem medo e as coisas estiverem mais seguras, as nossas portas se abrirão para a adoração pública e o ajuntamento solene. 146 anos nos ensinaram que não basta estar presente e nem sentir orgulho do seu tamanho, sua influência política ou patrimônio. É a fidelidade à vocação para adorar e a obediência à missão para servir que provam a força da raiz e a qualidade do fruto. Parabéns Igreja Presbiteriana Central de Itapira, por sua história. Obrigado Senhor Jesus, por sua fidelidade no transcurso dos séculos.
Reverendo Luiz Fernando é Pastor na Igreja Presbiteriana Central de Itapira
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