“Da multidão dos que creram, uma era a mente e um o coração” (At 4. 32).
A Bíblia fala da túnica inconsútil de Cristo (Jo 19. 23-24), isto é, uma peça de roupa sem emenda e sem costuras, uma peça única, inteira, que não pode ser divida, a menos que se rasgue e venha a perder a sua utilidade. Desde cedo os pais da Igreja (aqueles primeiros homens logo após a geração apostólica que receberam de Deus a missão de estruturar e organizar a vida eclesiástica, a liturgia e a teologia cristãs), estes homens eruditos e piedosos viram no sinal da túnica inconsútil o mistério da unidade da igreja de Cristo. Contudo, o conceito ou a verdade da unidade nem sempre foi bem entendido pelos cristãos. Há sempre a tentação de desejar a unidade em termos de uniformidade disciplinar, de governança ministerial, de liturgia e de cultura.
Os grandes embates do cristianismo histórico que dividiram a Igreja e a empobreceram orbitaram nestas questões. As duas únicas possibilidades que validam uma divisão da igreja são:
1. Quando os hereges e suas heresias colocam em perigo a saúde espiritual da Igreja. Quando a malícia de seus erros doutrinários infecciona o corpo de Cristo com ensinos destrutivos, desagregadores, rasteiramente humanos e egoístas, intentando oferecer fogo estranho no altar de Deus. Quando a liderança fiel e ortodoxa, quando os discípulos fiéis começam a perceber a insinuação destas coisas é mais que seu dever, é uma questão de sobrevivência separar-se deste grupo ou excluindo-os ou deixando-os. Não valem nunca as divisões com base em desejos ou sonhos de autonomia e grandeza ministeriais. Muitas vezes as razões mais vis se encontram escondidas atrás de uma pretensa “visão” de Deus dada ao líder. Não por nada a Igreja evangélica é por vezes uma verdadeira babel.
2. A outra possibilidade de divisão seria para aumentar efetivamente a capacidade de uma Igreja em cumprir sua missão e atender as demandas de uma cidade, de uma região, de uma fronteira missionária. Isto pode acontecer quando a máquina eclesiástica, a burocracia religiosa e a política denominacional ou perdem o foco ou estão por demais pesadas e emperradas para fazer girar a roda da Evangelização. Neste contexto também delicado e que nunca os envolvidos saem da questão sem algumas machucaduras, ainda sim é possível compreender tal necessidade e justificá-la historicamente como tantas vezes já aconteceu em nossas denominações mais tradicionais. Mas, para a nossa vergonha, não é exatamente o que temos assistido em nossos dias. Grande parte das novas expressões eclesiásticas vem no embalo do vergonhoso e pecaminoso desejo de se construir um império ministerial, sem a quem prestar contas, de colocar-se como a instância última em matéria de fé, moral, liturgia, doutrina e etc. É verdade que muitos “tele-evangelistas” com a ostentação de seus bens, onipresentes na TV com ternos finos e adereços de luxo capturam os sonhos de felicidade de muitos. Evidentemente que não podemos generalizar, nunca. Há muitos que sinceramente abraçam um chamado subjetivo de Deus em sua alma e se decidem a viver com gratuidade o seu ministério em meios aos pobres, aos carentes, aos que nada tem e nem tem ninguém por eles. Graças a Deus que estes casos também existem, inclusive entre nós, aqui em Itapira, para a glória de Deus e a paz na Igreja de Cristo. São poucos, mas existem.
Então, que unidade é a desejada por Cristo, sobretudo aquela expressada em João 17.21? “para que todos sejam um, Pai, como tu estás em mim e eu em ti. Que eles também estejam em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste.” Antes, é a unidade vital de cada cristão em particular com o Senhor Jesus. Esta união vital se dá por meio do novo nascimento e é cultivada por meio da piedade, da obediência, da santificação progressiva e por meio do compromisso com o Evangelho. Depois, esta unidade se dá com base na verdade objetiva da Palavra de Deus. Verdade sem mediações de revelações particulares ou costumes e tradições ainda que muito antigas e históricas. Jamais haverá unidade na Igreja por força da lei ou por função de um cargo ou carisma de um líder. Esta unidade só possível se firmada na unânime convicção de que as Escrituras possuem tudo e suficientemente o que precisamos saber e conhecer para sermos salvos e santos.
E por último, unidade no amor fraterno, sincero, respeitoso e na verdade. O amor não sobrevive, nunca, na mentira e no erro. Seja ele de natureza moral, religiosa ou doutrinária. Talvez a frase que Calvino costumava repetir aprendida de Agostinho ilustre um pouco o que quero dizer: “Na Verdade, Unidade. Na Dúvida, Prudência. Em todas as coisas, porém, a Caridade”. Que Deus conserve sua Igreja em paz, unida a Ele e em comunhão entre nós.
Reverendo Luiz Fernando
Pastor da Igreja Presbiteriana Central de Itapira
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