A espiritualidade é um tema muito frequente nas preocupações da Igreja. Não é raro encontrar a frase de efeito numa oração: “Que a tua Igreja cresça em número e muito mais em espiritualidade.” Confesso que nunca entendi muito bem este pedido. Todavia, muitos líderes e muito crentes nutrem verdadeira preocupação com a questão da espiritualidade e muita coisa tem sido oferecida como a redescoberta dos clássicos devocionais cristãos, os mestres e escritores espirituais como Teresa D’Ávila, João da Cruz, Thomas Merton, Thomas à Kempis, todos católicos romanos tendo as suas obras publicadas e divulgadas por várias editoras cristãs evangélicas. Há também a valorização e a redescoberta das antigas disciplinas espirituais, como a Lectio Divina, o jejum, a direção espiritual, a oração centrante ou do coração, a contemplação e o silêncio. Todas estas coisas são boas e possuem valor se soubermos lançar mão delas com prudência, equilíbrio e sobriedade. O maior perigo para quem quer cultivar uma vida espiritual mais intensa e vivificada é a “fuga mundi”, ou seja, a noção de que quanto mais espiritual a pessoa é, mais distante ela será das realidades e vicissitudes humanas. Este escapismo espiritual sempre rondou o cristianismo, desde Pacômio, Teodósio e Orsiésio, iniciadores do movimento monástico no Delta do Nilo em meados do século III da E.C., até o neopentecostalismo atual, sempre houve quem enxergasse que espiritualidade fosse alguma coisa impossível de ser vivida no mundo. Ou ela é vivida num mosteiro, separado do mundo pela clausura e pela Regra, ou ela é alienada e produz um sub-cultura que demoniza o mundo e se fecha em guetos espirituais como em muitas igrejas evangélicas. Todavia, a espiritualidade é, antes de qualquer coisa, a abertura da inteligência e da vontade humanas para a influência e a condução do Espírito Santo. Não é necessariamente a prática de uma modalidade ou metodologia, mas a rendição e a submissão consciente e racional do homem ao governo de Cristo sobre a totalidade de sua vida. Quando esse processo tem o seu início com a diligente cooperação de nossa vontade logo aprendemos que a espiritualidade longe de ser um caminho de paisagem bucólica e serena é antes um confronto com os poderes deste mundo e sua maligna opressão. O maior exemplo disso é o próprio Senhor Jesus que foi levado ao deserto pelo Espírito Santo para ser tentado pelo Diabo: “Então Jesus foi levado pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo Diabo.” (Mt 4. 1). Outra prova irrefutável de que a espiritualidade é um confronto é o que lemos no livro de Efésios: “Vistam toda a armadura de Deus, para poderem ficar firmes contra toda as ciladas do Diabo...por isso, vistam toda a armadura de Deus, para que possam resistir no dia mau e permanecer inabaláveis, depois de terem feito tudo.” (Ef 6. 11.13). A armadura não é uma vestimenta para o lazer nem para o ócio, na verdade a espiritualidade é o revestimento necessário para uma batalha que se trava no campo do mundo e sem as armas e as armaduras da espiritualidade e sem o treinamento ou o cultivo da vida espiritual nos tornamos soldados ineptos e vulneráveis de Jesus. Uma espiritualidade autêntica, Bíblica, cristocêntrica será sempre o cultivo de uma vida íntima com Deus vocacionada à ação missional no mundo. Quanto mais íntimos em nossa vida com Deus, mais inseridos seremos no mundo. Quanto mais a nossa leitura Bíblica for séria e comprometida, nossa oração sacerdotal e intercessora e mais profunda a compreensão de nossa vida, profissão e mordomia como uma vocação ao serviço do Rei e do Reino, mais presentes nos faremos no mundo com a intenção de salgar, iluminar e fermentar pelo Evangelho e pelo testemunho de Cristo fazendo avançar o Reino sobre as fronteiras do inimigo levando a salvação a todo aquele que crê. Ser espiritual é ser missional.
Reverendo Luiz Fernando
Pastor Mestre da IPCI
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