Estes dias voltei ao livro “O Pastor Contemplativo” de Eugene Peterson. Precisava de uma leitura que fosse especialmente desafiadora, sobretudo para esses dias em que os pastores estão sendo forçados, em certa medida, a reinventarem a sua vocação. Com o receio de priorizar o necessário a ser feito e negligenciar o essencial do meu chamado, resolvi buscar conselho e orientação nas páginas daquele que um dia foi reconhecido como pastor de pastores. Evidentemente que Eugene Peterson coloca a oração como uma das ações, tarefas (no livro: ângulos) a partir da qual uma vocação se realiza com integridade e legitimidade. Chamou-me muito a atenção que em vários momentos o autor diz o seguinte sobre a oração: “vá com calma nesse negócio da oração”, “cuidado com a oração”, “talvez você não esteja preparado e nem disposto a assumir as consequências de uma vida de oração”. Evidentemente que fiquei meio desconcertado com essas frases, mesmo tendo bem presente o contexto maior da obra. Entretanto, mais tarde, lendo e orando o livro dos Salmos, fui tomado de uma súbita impressão, eu tenho medo de orar! Tenho medo de orar como deveria, tenho medo de orar como poderia, tenho medo de assumir as consequências de uma vida de oração que nada mais é do que uma resposta à palavra de Deus dirigida à minha mente, à minha alma. Orar é mais do que apresentar uma lista de pedidos, uma lista das minhas necessidades, como se fosse ao mercado e lançasse mão em direção aos produtos do meu interesse, gosto ou necessidade. É óbvio que a oração é também o oferecimento de nossos desejos a Deus, como estabelece os nossos documentos confessionais, de maneira especial no catecismo Maior de Westminster. Mas, do ponto de vista do enredo da história da Salvação, afunilando para os dramas vividos pelas personagens que encenaram esse drama na história bíblica, a oração é como o homem responde a Deus que o interpela, que provoca um diálogo, que abre um canal de comunicação conosco por meio de sua palavra. Orar é responder ao Senhor e continuar numa atitude de escuta e acolhimento do que Deus tem a nos dizer. Quando oramos, porque oramos e devemos insistir na oração, será sempre o desejo de ouvir perfeitamente a Deus e harmonizar a totalidade da nossa vida à sua vontade. Não oramos até que Deus nos ouça. Oramos até que sejamos capazes de ouvi-lo de maneira clara. Não por nada, antes de pedir pão e perdão, a oração Dominical nos ensina a pedir que a vontade de Deus seja feita “assim na terra como no céu”. Então, descobri que tenho medo de orar porque sei que Deus pode virar a minha vida de ponta cabeça, pode e vai fazer com que eu reviste constantemente as minhas humanas convicções, que eu abra mão das minhas seguranças emocionais e até mesmo de alguns deleites religiosos. Sei que ao orar as minhas vontades, os meus desejos e os meus sonhos podem muito bem não suportar o escrutínio da vontade de Deus e quem sabe, de repente, onde se encontram os meus maiores temores é justamente onde o Senhor deseja que eu o sirva e dele dê o meu testemunho. Ao mesmo tempo descobri que uma vida de oração intensa, apaixonada, devota, fervorosa é de todas as ‘tarefas’ de um pastor aquela que dá maior consistência de caráter, liberdade espiritual, energia mental e integridade ao coração. A oração é aquela realidade que nos impede de banalizar o ministério esgotando-o em reuniões sem fim de conselhos e comissões, ainda que necessários, nunca podem ser assumidos como parte inerente do nosso ministério. A oração nos livra de afrontar a Deus transformando o nosso ministério numa espécie de capelania cultural, como aquele homem que é chamado para fazer uma oração no início e às vezes no fim de reuniões seculares, festas de aniversários e outros atrativos eclesiais. A oração nos livra da tirania da performance, dos resultados mensuráveis e dos relatórios que impressionam pelos números, mas que sempre levantem certa suspeita quanto a sua honestidade. Oração nos força a compreender que grande parte do nosso trabalho não tem expectadores, não pode ser mensurado, não há como avalia-lo. Uma parte significativa de nosso serviço prestado a Deus não entra em relatórios e não podem ser quantificados, transformados em estatísticas. Quando fazemos da oração o carro chefe do nosso ministério, nos recordamos daquelas coisas que são a matéria prima da nossa tarefa: pecado, perdão, graça, misericórdia, libertação, conversão, restauração, consolo, conforto. A oração nos lembra que essas coisas só se tornam realidade para as pessoas que servimos quando manuseamos a Bíblia com integridade e essa integridade tem a ver que o que pregamos aos outros nada mais é do que aquilo que a oração já assegurou ao nosso coração sendo verdadeiro. Talvez, eu tenha medo de orar, porque essa parte da minha vida com Deus e do meu ministério jamais receberá qualquer reconhecimento ou crédito daqueles que me chamaram para pastoreá-los. Que a oração me livre também disso.
Reverendo Luiz Fernando é pastor na Igreja Presbiteriana Central de Itapira
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