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Notícia
13/05/2020 | Luiz Santos: Família e Pandemia

O mês de maio traz consigo um tempo de reflexão e celebração da família, ao menos na Igreja Presbiteriana do Brasil. Esse ano estamos vivendo, refletindo, repensando e celebrando a família de uma maneira completamente diferente. Já podemos sentir mudanças sensíveis em nossa maneira de ver as coisas e em nosso estilo de vida. Até bem pouco tempo, não mais que quarenta dias, nossa maior prioridade existencial era ser relevante, dar um sentido à vida que valesse a pena viver e com isso, paradoxalmente, para não dizer contraditória, deixávamos passar aquilo ou aquelas coisas que realmente contam. No altar da autogratificação, do sucesso pessoal e do reconhecimento, não raras vezes sacrificamos os momentos mais sagrados da família, com sua liturgia existencial de sentar à mesa juntos, compartilhar o pão (donde a palavra companheiro/companheirismo), jogar conversa fora e falar daquelas coisas da vida que não podem ser quantificadas, monetizadas e nem tocadas. Com a pandemia o desejo de dar sentido à vida cedeu ao mais primitivo instinto do homem, o de sobreviver. Nossa meta passou a ser, sair vivos da tormenta e sobreviver ao tsunami econômico que vem pela frente. E nada nos atrai mais para prover a nossa necessidade de abrigo, segurança emocional, afetiva, nada nos faz sentir mais vivos, com uma história e uma identidade, do que a família. De repente fomos forçados a dar um ‘meia-volta, volver’ e retornar para aquele ambiente de onde passamos a vida fugindo, a dinâmica trivial e corriqueira da vida no lar, e como escrevi, com a sua liturgia existencial de cada dia. E descobrimos de uma hora para outra que apesar de estar perto uns dos outros, todo santo dia, nem sempre estivemos realmente juntos. A pandemia, não por causa dela, mas apesar dela, pode ser uma ocasião de repensar a família com seriedade e profundidade, à luz das Escrituras. Desde o primitivo casal no Éden já intuímos o plano original de Deus para o casamento e, consequentemente, a família. A constituição da família continua sendo um mandato cuja validade é permanente e irreformável. O Senhor ordenou que o homem se unisse a sua mulher, ordenou ainda que se multiplicassem e que submetessem a criação. Esses mandatos familiar e cultural do livro de Gênesis (1:26-30), tinham como prioridades espalhar e espelhar a glória de Deus por toda a criação, a partir da imagem como semelhança que portavam os nossos primeiros pais e o Senhorio de Deus sobre todas as coisas, na condição de vice-rei, cuidando e desenvolvendo o jardim. Dentro dessas prioridades está o fato de que a família é o lugar ideal para que um indivíduo aprenda o que é ser humano, o que significa a complexa realidade da pessoa, sua função e o propósito para o qual ela veio ao mundo. Ou seja, a família é uma escola de humanidade e de humanização. Nesta pandemia, com algumas relações mais estreitadas e outras mais distendidas pelo distanciamento social, podemos reaprender e experimentar novamente o que é de fato ser humano. Podemos aprofundar a consciência de nossa fragilidade e limite, tanto no convívio com pessoas de risco, quanto nas notícias das muitas mortes, quanto ao nosso próprio medo e temor de sucumbir ao vírus. E assim, podemos nos despir da fantasia de super-homens e mulheres maravilhas e deixar aflorar as nossas inseguranças e expor os nossos temores para sermos restabelecidos e encorajados. Podemos ainda, na necessidade de cuidar de um parente idoso ou do grupo de risco ou ainda, a aventura de trabalhar Home Office com as crianças com as suas energias represadas de dias de confinamento, ou a dona de casa que perde a sua liberdade de fazer as coisas do seu jeito e na hora que lhe convém. Nisto tudo, de repente, podemos passar a entender que não somos o centro das atenções, que a vida não diz respeito ao ‘eu’, mas ao ‘tu’ para formarmos o ‘nós’. Isto é, a minha agenda pessoal não deve ser sempre prioritária e a vida em família nos ensina a abster para possuir, dividir para multiplicar, perder para ganhar e quando vencer, não subir sozinho no lugar mais alto do pódio, a isso se dá o nome de reconhecimento, de gratidão. E quando perder, não se sentir sozinho e humilhado no último lugar, a isso se chama compaixão, solidariedade. Todas essas lições fazem parte da liturgia existencial de uma família, preciosas lições que às vezes deixamos de aprender por estarmos muito focados em nós mesmos, em vencer sempre, em ter sucesso, em chegar lá, em justificar a própria existência. Quando vivemos assim, vamos deixando pedaços de nós pelo caminho e aos poucos vamos comprometendo a nossa integridade humana e vamos nos coisificando e perdendo o senso de pertença, de alteridade, de completude até. Apesar, e nunca por causa, da pandemia, reconecte-se afetiva e emocionalmente com os seus familiares e abra mão de qualquer estrelismo pessoal e aproveite bem o tempo, talvez não tenhamos (e queira Deus não pelos mesmos motivos), uma outra oportunidade como essa.

Reverendo Luiz Fernando é Ministro do Evangelho na Igreja Presbiteriana Central de Itapira.

Fonte: Luiz Santos

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